terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Harry Potter e a Ordem da Fênix 1/5


-- CAPÍTULO 1 --
DUDA DEMENTE


O dia mais quente do verão até então estava chegando ao fim e um silêncio sonolento caía sobre as grandes casas quadradas da Rua dos Alfeneiros. Os carros que normalmente resplandeciam estavam empoeirados nos passeios e gramados que uma vez foram verde esmeralda e agora estavam secos e amarelados - pelo uso de mangueiras que haviam sido banidas devido à seca. Privados da lavagem dos carros e aparação da grama, os habitantes da Rua dos Alfeneiros se retirara  para a sombra de suas casas frescas, as janelas arreganhadas na esperança de atrair uma brisa inexistente. A única pessoa no lado de fora era um adolescente deitado de costas num canteiro de flores no exterior do número quatro.

Ele era um garoto esquelético, cabelos pretos e óculos, tinha uma aparência ligeiramente não saudável de alguém que crescera demais num pequeno espaço de tempo. Suas calças jeans eram gastas e sujas, sua camiseta  larga e desbotada, as solas de seus tênis estavam se soltando. A aparência de Harry Potter não o tornava querido pelos vizinhos, que eram o tipo de pessoa que achava que o desmazelamento deveria ser punido pela lei, mas já que ele se escondera atrás de um grande arbusto de hortênsias, esta noite ele estava bem invisível aos passantes. De fato, o único modo de ser notado era se seu tio Válter ou tia Petúnia meterem suas cabeças para fora da janela da sala de estar e olharem direto para o canteiro abaixo.

Por tudo, Harry achava que devia ser parabenizado pela idéia de se esconder ali. Ele não estava, talvez, muito confortável deitado na terra quente e dura mas, por outro lado, ninguém estava olhando feio para ele, rangendo os dentes tão alto que ele não conseguia ouvir as notícias ou lançando perguntas nojentas para ele, como acontecera toda vez que tentara se sentar na sala para assistir a televisão com os tios.

Quase como se este pensamento tivesse flutuado pela janela aberta, Válter Dursley, o tio de Harry, de repente falou.

- Bom ver que o garoto parou de tentar se meter. Onde ele está, aliás?

- Não sei - disse tia Petúnia, indiferente. - Não está na casa.

Tio Válter resmungou.

- Assistindo o jornal - ele disse ofensivamente -, gostaria de saber o que ele está realmente aprontando. Como se um garoto normal se importasse com as notícias. Dudley não tem a menor idéia do que está acontecendo; duvido que saiba quem é o Primeiro Ministro! De qualquer forma, não é como se houvesse algo sobre a turma dele no nosso jornal.

- Válter, psiu! - disse tia Petúnia. - A janela está aberta!

- Ah, sim, desculpe, querida.

Os Dursley silenciaram-se. Harry escutou uma música de comercial sobre o cereal Fruit'n' Bran enquanto observava a Sra. Figg, uma velha senhora louca que adorava gatos da próxima Wisteria Walk, passar trotando vagarosamente. Estava de testa franzida e murmurando para si. Harry ficou muito feliz por estar escondido atrás do arbusto, já que a Sra. Figg recentemente o chamava para tomar chá toda vez que o encontrava na rua. Ela tinha virado a esquina e desaparecido de vista antes da voz de tio Válter flutuar para fora da janela de novo.

 - Dudinha saiu para o chá?

- Na casa dos Polkiss – disse tia Petúnia carinhosamente. - Ele tem tantos amiguinhos, é tão popular.

Harry suprimiu um ronco com dificuldade. Os Dursley realmente eram incrivelmente estúpidos quando se tratava de seu filho, Dudley. Eles tinham engolido todas suas fracas mentiras sobre tomar chá com um membro diferente de sua turma toda noite das férias de verão. Harry sabia perfeitamente bem que Dudley não tomava chá em lugar algum; ele e sua turma passavam toda noite destruindo o parque de diversões, fumando nas esquinas das ruas e atirando pedras nos carros e crianças que passavam. Harry os vira fazer isso durante suas caminhadas noturnas por Little Whinging; passara a maior parte de suas férias vagando pelas ruas, varrendo as ruas caçando jornais das latas de lixo pelo caminho.

As notas de abertura da música que marcava o telejornal das sete horas chegou aos ouvidos de Harry e seu estômago se embrulhou. Quem sabe esta noite - depois de um mês de espera - seria a noite.

"Números recordes de turistas encalhados enchem os aeroportos enquanto a greve dos carregadores de bagagens espanhóis chega a sua segunda semana."

- Daria a eles uma cesta por toda vida, eu daria - reclamou o tio Válter no fim da frase do locutor, mas não importava: do lado de fora, no canteiro, o estômago de Harry parecera abrir-se. Se alguma coisa houvesse ocorrido com certeza seria o primeiro item do noticiário; morte e destruição eram mais importantes do que turistas encalhados.

Ele soltou um longo e baixo suspiro e ergueu os olhos para o brilhante céu azul. Todos os dias deste verão tinham sido iguais: a tensão, a expectativa, o alívio temporário e então a crescente tensão de novo... E sempre, ficando mais insistente todo tempo, a pergunta de por que nada tinha acontecido ainda.

Continuou escutando, só em caso de haver alguma pequena pista, não reconhecida pelo que realmente era pelos trouxas - um desaparecimento inexplicado, quem sabe, ou algum acidente estranho... Mas a greve dos carregadores de bagagem foi seguida pelas notícias sobre a seca no Sudeste.

- Espero que esteja ouvindo aí no vizinho! - berrou tio Válter. - E seu regador às três da manhã! - então um helicóptero que tinha quase caído num campo em Surrey, então o divórcio de uma famosa atriz do seu famoso marido.

- Como se estivéssemos interessados sobre seus casos sórdidos -, fungou tia Petúnia, que estivera seguindo o caso obsessivamente em cada revista que pudesse por suas mãos ossudas.

Harry fechou os olhos contra o céu noturno agora flamejante enquanto o locutor dizia: e finalmente, Bungy, o periquito descobriu um novo modo de manter-se fresco neste verão. Bungy, que vive no Cinco Penas em Barnsley, aprendeu o ski aquático! Mary Dorkins foi descobrir mais.

Harry abriu os olhos. Se tinham chegado aos periquitos que faziam ski aquático não havia mais nada que valesse ouvir. Ele rolou cuidadosamente e se pôs de quatro, preparando-se para rastejar para longe da janela.

Ele se mexera cerca de dois centímetros quando várias coisas aconteceram numa sucessão bem rápida.

Um som de chicote alto e ecoante quebrou o silêncio sonolento como um tiro; um gato correu debaixo de um carro estacionado e fugiu de vista; um berro, um xingamento gritado e o som de porcelana quebrando veio da sala de estar dos Dursley, e embora este fosse o sinal que Harry estivera esperando, ele se pôs de pé num salto, ao mesmo tempo tirando do cós do jeans uma fina varinha de madeira como se estivesse desembainhando uma espada - mas antes que pudesse se pôr de pé completamente o topo de sua cabeça colidiu com a janela aberta dos Dursley. O barulho resultante fez tia Petúnia gritar ainda mais alto.

Harry sentiu como se sua cabeça tivesse rachado em duas. Os olhos marejando, ele cambaleou, tentando concentra-se na rua para achar a fonte do barulho, mas mal tinha se endireitado quando duas grandes mãos púrpuras passaram pela janela aberta e fecharam-se com força em volta de sua garganta.

- Esconda isso! – tio Válter resmungou no ouvido de Harry. - Agora. Antes que alguém veja!

- Tira as mãos de mim! - Harry arfou. Por alguns segundos eles lutaram, Harry afastando os dedos tipo salsicha com a mão esquerda, sua direita segurando com força sua varinha erguida; então, enquanto a dor no alto da cabeça de Harry deu uma pulsação particularmente ruim, tio Válter gritou e soltou Harry como se tivesse recebido um choque elétrico. Alguma força invisível parecia ter passado pelo seu sobrinho, tornando-o impossível de se segurar.

Ofegando, Harry caiu sobre o arbusto de hortênsias, endireitou-se e olhou em torno. Não havia sinal do que causara o sonoro barulho de chicote, mas havia vários rostos espiando através de várias janelas próximas. Guardou sua varinha rapidamente nos jeans e tentou parecer inocente.

- Noite adorável! - gritou Tio Vernon, acenando para a Sra. do número sete, do lado oposto, que olhava furiosa detrás de suas cortinas. - Ouviram o escape bem agora? Deu a mim e a Petúnia um susto!

Ele continuou a sorrir de um modo horrível e maníaco até que todos os vizinhos curiosos desaparecessem de suas várias janelas, então o sorriso tornou-se uma careta de ódio enquanto acenava para Harry se aproximar.

Harry se aproximou mais alguns passos, tomando cuidado de parar um pouco antes do ponto em que as mãos esticadas de tio Válter pudessem continuar seu estrangulamento.

- Que diabos você quer com isso, garoto? - perguntou tio Válter numa voz coaxante que tremia com fúria.

- O que eu quero com o quê? - disse Harry friamente. Mantinha-se olhando para a esquerda e para direita da rua, ainda esperando ver a pessoa que tinha feito o barulho.

- Fazer uma algazarra como um revólver bem do lado de fora de nossa...

- Não fiz aquele barulho - disse Harry com firmeza.

O fino rosto de cavalo de tia Petúnia agora aparecia ao lado do grande e púrpura do tio Válter. Ela parecia lívida.

- Por que estava se escondendo debaixo de nossa janela?

- Sim... Sim, boa pergunta, Petúnia! O que estava fazendo debaixo da janela, garoto?

- Escutando o noticiário - disse Harry numa voz resignada.

Seus tios trocaram olhares de horror.

- Escutando o noticiário! De novo?

- Bom, ele muda todo dia, sabe - disse Harry.

- Não banque o espertinho comigo, garoto! Quero saber o que você está aprontando de verdade. E não me dê mais desta história idiota de escutar as notícias! Você sabe perfeitamente bem que sua laia...

- Cuidado, Válter! - sussurrou tia Petúnia, e tio Válter abaixou a voz de modo que Harry mal conseguia ouvi-lo. - Que sua laia não aparece nos nossos noticiários!

- Isso é tudo que você sabe - disse Harry.

Os Dursley arregalaram os olhos para ele por alguns segundos, depois tia Petúnia disse.

- Você é um mentirozinho nojento. O que estão todas aquelas - ela também abaixou a voz de modo que Harry teve que ler seus lábios a próxima palavra - corujas fazendo se não estão te trazendo notícias?

- Ahá! - disse tio Válter num sussurro de triunfo. - Saia desta, garoto! Como se não soubéssemos que você consegue todas suas notícias com aqueles pássaros pestilentos!

Harry hesitou por um momento. Custava algo a ele contar a verdade desta vez, embora seus tios possivelmente não pudessem saber quão ruim ele se sentia em admitir isso.

- As corujas... Não me trazem notícias - ele disse sem emoção.

- Não acredito nisso - disse tia Petúnia imediatamente.

- Não mais do que eu - disse tio Válter poderosamente. - Não somos tolos, sabe.

- Bom, isso é novidade para mim - disse Harry, seu humor piorando, e antes que os Dursley pudessem chamá-lo de volta ele girou nos calcanhares, cruzou o gramado da frente, pulou o baixo muro do jardim e saiu caminhando pela rua.

Ele estava com problemas agora e sabia disso. Teria que enfrentar os tios depois e pagar o preço por sua rudeza, mas não se importava muito no momento; tinha assuntos muito mais sérios na cabeça.

Harry tinha certeza de que o barulho de chicote tinha sido feito por alguém aparatando ou desaparatando. Era exatamente o som que Dobby, o elfo doméstico, fazia quando desaparecia no em pleno ar. Era possível que Dobby estivesse ali, na Rua dos Alfeneiros? Dobby poderia o estar seguindo bem agora? Enquanto este pensamento lhe ocorreu, ele girou em torno e fitou a Rua dos Alfeneiros, mas ela parecia estar completamente deserta e tinha certeza de que Dobby não sabia como se tornar invisível.

Ele continuou a caminhar, quase sem notar a rota que tomava, pois vagara por estas ruas com tanta freqüência ultimamente que seus pés o carregavam pelos caminhos favoritos automaticamente. Dava alguns passos e olhava para trás. Alguém mágico estivera perto dele, enquanto deitava-se entre as begônias moribundas de tia Petúnia, tinha certeza disso. Por que não falara com ele, por que não fizera contato, por que estavam escondendo-se agora?

E então, enquanto seu sentimento de frustração chegava ao máximo, sua certeza esvaziou-se. Quem sabe não seria nenhum som mágico, afinal de contas. Quem sabe ele estivera tão desesperado pelo menor sinal de contato do mundo ao qual pertencia que estava simplesmente exagerando com barulhos perfeitamente normais. Teria ele certeza de que não fora o som de algo se quebrando dentro de uma casa vizinha?

Harry sentiu afundar tolamente seu estômago e antes que percebesse o sentimento de desesperança que o atormentara por todo verão jorrou sobre ele mais uma vez.

Amanhã de manhã ele seria acordado pelo despertador às cinco horas, de modo que pudesse pagar a coruja que entregava o Profeta Diário - mas havia algum sentido em continuar a recebê-lo? Harry meramente olhava para a primeira página antes de atirá-lo fora ultimamente; quando os idiotas que dirigiam o jornal finalmente percebessem que Voldemort estava de volta, isso seria manchete, e este era o único tipo de notícia em que se interessava.

Se tivesse sorte, também haveria corujas carregando cartas de seus melhores amigos Rony e Hermione, embora qualquer esperança que ele tivera de que as cartas deles trouxessem notícias há muito tinha sido frustrada.

Nós não podemos dizer muito sobre você-sabe-o-quê, obviamente... Recebemos ordens de não dizer nada importante, no caso de nossas cartas serem desviadas... Estamos bem ocupados, mas não posso dar detalhes. Há muita coisa acontecendo, contaremos tudo quando o vermos.

Mas quando eles iriam vê-lo? Ninguém parecia se incomodar muito com a data precisa. Hermione rabiscara "Espero vê-lo em breve" dentro do cartão de aniversário mas quão em breve isso era? Até onde Harry podia dizer das vagas pistas das cartas deles, Hermione e Rony estava no mesmo lugar, provavelmente na casa dos pais de Rony. Ele mal conseguia agüentar a idéia deles se divertindo n'A Toca quando ele estava preso na Rua dos Alfeneiros. De fato, ele estava tão zangado com eles que tinha jogado fora, sem abrir, as duas caixas de chocolates da Dedosdemel que tinham enviaram pelo aniversário. Arrependera-se mais tarde, depois da murcha salada que tia Petúnia fizera para o jantar daquela noite.

E com o que Rony e Hermione estavam ocupados? Por que não estava ele, Harry, ocupado? Não provara ser capaz de lidar com muito mais do que eles? Tinham todos esquecido o que ele fizera? Não tinha sido ele quem entrara naquele cemitério e assistira Cedrico ser assassinado e fora amarrado naquela lápide e quase morto?

"Não pense nisso", Harry disse a si mesmo firmemente, pela centésima vez naquele verão. Já era muito ruim ele ficar revisitando o cemitério nos pesadelos, sem ter que lidar com eles nas horas em que estava acordado também.

Ele virou uma esquina na Rua Magnólia; no meio do caminho passou pelo estreito beco do lado de uma garagem, onde ele dera de cara com seu padrinho pela primeira vez. Sirius, pelo menos, parecia entender como Harry se sentia. Na verdade, as cartas dele eram tão vazias de notícias quanto as de Rony e Hermione mas pelo menos continham palavras de cautela e consolo, em vez de pistas irritantes:

"Sei que isso deve ser frustrante para você... Fique com o nariz limpo e tudo ficará bem... Seja cuidado e não faça nada precipitado."

Bom, pensou Harry enquanto cruzava a Rua Magnólia, virava para a Magnolia Road e se dirigia para o parque de diversões escurecido, ele tinha (no geral) feito o que Sirius aconselhara.

Tinha pelo menos resistido à tentação de amarrar seu malão na vassoura e partir para A Toca sozinho. De fato, Harry achava que seu comportamento fora muito bom, considerando quão frustrado e zangado se sentia, preso na Rua dos Alfeneiros por tanto tempo, reduzido a se esconder em canteiros de flores, na esperança de ouvir algo que pudesse apontar o que Lord Voldemort estava fazendo. No entanto, era bem torturante receber ordem de não ser imprudente por um homem que passara doze anos numa prisão bruxa, Azkaban, fugira, tentara cometer o assassinato pelo qual fora condenado inicialmente, então fugira com um hipogrifo roubado.

Harry saltou sobre o portão trancado do parque e andou pelo gramado seco. O parque estava tão vazio quanto às ruas em torno. Quando alcançara os balanços, ele afundara no único que Dudley e seus amigos não haviam conseguido quebrar ainda, enrolou um braço em volta da corrente e fitou o chão com mau humor. Não seria capaz de se esconder no canteiro dos Dursley novamente. Amanhã teria que pensar num modo novo de ouvir as notícias. Enquanto isso não tinha pelo que esperar a não ser outra noite perturbadora e sem descanso, porque mesmo quando ele escapava dos pesadelos com Cedrico, tinha preocupantes sonhos com longos corredores escuros, todos terminando em becos sem saída e portas trancadas, que supunha ter algo a ver com o sentimento preso que tinha quando estava acordado. Freqüentemente a velha cicatriz na testa beliscava desconfortavelmente, mas não se enganava que Rony e Hermione ou Sirius fossem achar que aquilo ainda era interessante. No passado, sua cicatriz doer tinha avisado que Voldemort estava se fortalecendo novamente, mas agora que Voldemort estava de volta ela provavelmente o lembraria que sua irritação regular era somente algo a ser esperado... Nada com que se preocupar... Notícia antiga...

A injustiça disso tudo corria dentro dele de modo que queria gritar de ódio. Se não fosse por ele, ninguém nem mesmo saberia que Voldemort estava de volta! E sua recompensa fora ficar preso em Little Whinging por quatro semanas inteiras, completamente cortado do mundo bruxo, reduzido a se agachar entre begônias moribundas, de modo que pudesse ouvir sobre periquitos que faziam ski aquático! Como Dumbledore poderia ter esquecido dele tão facilmente? Por que Rony e Hermione tinham se encontrado sem convidá-lo também? Quão mais ele deveria agüentar Sirius lhe dizendo para sentar direito e ser um bom rapaz; ou resistir à tentação de escrever para o estúpido Profeta Diário e avisar que Voldemort voltara? Estes pensamentos furiosos rodilhavam-se na cabeça de Harry e seu interior torcia-se com raiva, enquanto uma noite de veludo sufocante caía em torno, o ar cheio do cheiro da grama quente e seca, o único som que havia era o rugido do tráfego da estrada além das cercas do parque.

Não sabia por quanto tempo ficara sentado no balanço, antes que o som de vozes interrompesse suas reflexões e ele ergueu os olhos. Os postes das ruas vizinhas lançavam um brilho nebuloso forte o suficiente para delinear um grupo de pessoas caminhando pelo parque. Uma delas estava cantando uma canção alta e rude. As outras estavam rindo. Um barulho suave veio de várias bicicletas caras que estavam pedalando.

Harry sabia quem eram aquelas pessoas. A figura da frente era inegavelmente seu primo, Dudley Dursley, indo para casa, acompanhado por sua fiel turma.

Dudley estava tão largo quanto sempre, mas um ano de rígida dieta e a descoberta de um novo talento tinha forjado uma boa mudança no seu físico. Como tio Válter dizia prazerosamente a qualquer um que ouvisse, Dudley recentemente se tornara o Campeão de Boxe Peso Pesado Júnior Interescolar do sudeste. "O nobre esporte", como tio Válter o chamava, tinha tornado Dudley ainda mais formidável do que parecia a Harry nos dias do primário quando ele servira de primeiro saco de pancadas de Dudley. Harry nem remotamente temia mais seu primo, mas ainda não achava que Dudley aprender a socar mais forte e com mais precisão fosse motivo de comemoração. As crianças do bairro estavam aterrorizadas com ele - ainda mais do que eram "daquele garoto Potter" que, tinham sido avisados, era um vândalo insensível e freqüentava o Centro de Segurança St. Brutus para Rapazes Criminosos Incuráveis.

Harry observava as figuras escuras cruzando a grama e se perguntava em quem bateram naquela noite. Olhem em volta, Harry se descobriu pensando enquanto os observava. "Vamos... Olhem em volta... Estou sentado aqui completamente sozinho... Venham aproveitar..."

Se os amigos de Dudley o vissem sentado ali com certeza entrariam em fila para chegar nele, o que Dudley faria então? Ele não queria perder a pose na frente da turma ele ficaria assustado em provocar Harry... Seria mesmo divertido assistir o dilema de Dudley, para zombá-lo, observá-lo, com ele impotente para responder... E se qualquer dos outros tentasse acertar Harry ele estava pronto - tinha sua varinha. Deixe-os tentar... Ele adoraria descarregar sua frustração nos rapazes que uma vez haviam tornado sua vida um inferno.

Mas eles não se voltaram, eles não o viram, estavam quase nas cercas. Harry dominou o impulso de chamá-los... Procurar briga não era uma boa idéia... Ele não devia usar mágica... Estaria se arriscando a ser expulso de novo. As vozes da turma de Dudley esmoreceram; saíram de vista, dirigindo-se pela  Magnolia Road.

"Aí está, Sirius", Harry pensou tolamente. "Nada imprudente. Fique com o nariz limpo. Exatamente o oposto do que você fez".

Ele se pôs de pé e espreguiçou. Tia Petúnia e tio Válter pareciam sentir que quando Dudley aparecesse era a hora certa de estar em casa e qualquer momento depois disso era tarde demais. Tio Válter ameaçara trancar no armário se ele voltasse para casa depois de Dudley de novo, então, reprimindo um bocejo e ainda de cara feia, Harry saiu em direção ao portão do parque.

A Magnolia Road, como a Rua dos Alfeneiros, era cheia de grandes casas quadradas com passeios perfeitamente tratados, todas possuídas por donos grandes e quadrados, que dirigiam carros limpíssimos, parecidos com o do tio Válter. Harry preferia Little Whinging à noite, quando as janelas cortinadas lançavam quadrados de cor brilhantes como jóias na escuridão e ele não corria perigo de ouvir os murmúrios de desaprovação sobre sua aparência "delinqüente" quando passava pelos moradores. Ele andava rapidamente, de modo que na metade do caminho da Magnolia Road a turma de Dudley apareceu novamente; estavam despedindo-se na entrada da Rua Magnólia. Harry entrou nas sombras de uma imensa árvore e esperou.

"... gritou como um porco, não foi?", Malcolm dizia, para rir dos outros.

"Belo gancho de direita, Grande D", disse Pedro.

"Mesma hora amanhã?", disse Dudley.

"Perto da minha casa, meus pais estarão fora", disse Gordon.

"Até lá, então", disse Dudley.

"Até, Dud!"

"Até logo, Grande D!"

Harry esperou que o resto da turma continuasse antes de andar novamente. Quando suas vozes tinham desaparecido mais uma vez dobrou a esquina para a Rua Magnólia e andando bem rápido logo chegou a uma pequena distância de Dudley, que estava passeando cantarolando sua música desafinada.

- Hey, Grande D!

Dudley se voltou.

- Ah - ele resmungou. - É você.

- Desde quando você é "Grande D"? - disse Harry.

- Cale-se - reclamou Dudley, virando-se.

- Nome legal - disse, sorrindo e mantendo o passo ao lado do primo. - Mas você sempre será Dudinha para mim.

- Eu disse, CALE-SE! - disse Dudley, cujas mãos parecidas com presunto tinham fechado-se em punhos.

- Os rapazes não sabem que é assim que sua mãe o chama?

- Fecha a boca.

- Você não a manda fechar a boca. Que tal "Popkin" e "Dinky Diddydums", posso usá-los então?

Dudley não disse nada. O esforço de evitar bater em Harry parecia exigir todo seu autocontrole.

- Então, em quem esteve batendo esta noite? - Harry perguntou, seu sorriso desaparecendo. - Outro garoto de dez anos? Eu sei o que você fez com Mark Evans há duas noites.

- Ele estava pedindo isso - reclamou Dudley.

- Ah, é?

- Ele foi insolente.

- É? Ele disse que você parecia com um porco que aprendeu a andar com as patas traseiras? Porque isso não é ser insolente, Duda, é a verdade.

Um músculo estava tremendo na mandíbula de Dudley. Dava a Harry uma enorme satisfação saber quão furioso ele estava tornando Dudley; sentia como se estivesse esvaziando sua própria frustração no seu primo, o único escape que possuía.

Viraram exatamente no estreito beco onde Harry vira Sirius pela primeira vez e que era um atalho entre a Rua Magnólia e Wisteria Walk. Estava vazio e muito mais escuro do que as ruas que ele ligava, porque não havia postes. Seus passos eram abafados entre as paredes da garagem de um lado e uma alta cerca do outro.

- Você acha que alguma coisa carregando essa coisa, não é? - Dudley disse depois de alguns segundos.

- Que coisa?

- Essa... Essa coisa que está escondendo.

Harry sorriu de novo.

- Não é tão idiota quanto parece, não é, Duda? Mas suponho que, se fosse, não seria capaz de falar e andar ao mesmo tempo.

Harry tirou a varinha. Viu Dudley olhar de esguelha para ela.

- Você não tem permissão - Dudley disse imediatamente. - Sei que não. Você seria expulso daquela escola de malucos que freqüenta.

- Como sabe que não mudaram as regras, Grande D?

- Não mudaram - disse Dudley, embora ele não soasse completamente convencido.

Harry riu suavemente.

- Você não tem coragem de me enfrentar sem essa coisa, tem? - Dudley resmungou.

- Enquanto que você precisa de quatro amigos por atrás antes de espancar um garoto de dez anos. Sabe aquele título de boxe que você fica exibindo? Quantos anos tinha o seu oponente? Sete? Oito?

- Ele tinha dezesseis, para sua informação - reclamou Dudley - e ele ficou desmaiado por vinte minutos depois que acabei com ele e ele era duas vezes maior que você. Espera só eu contar a papai que você tirou essa coisa...

- Correndo pro papai agora, não é? O Dudinha campeão de boxe com medo da nojenta varinha do Harry?

- Não é tão corajoso à noite, não é? - zombou Dudley.

- Está de noite, Dudinha. É assim que chamamos quando tudo fica escuro como agora.

- Quis dizer quando está dormindo! - reclamou.

Ele parou de andar. Harry parou também, fitando o primo. Do pouco que podia ver do rosto largo de Dudley ele estava com um estranho olhar de triunfo.

- O que quer dizer, não sou corajoso quando estou dormindo? - disse Harry, completamente embaraçado. - Do que eu teria medo, travesseiros ou o quê?

- Ouvi você noite passada - disse Dudley sem respirar. - Falando dormindo. Gemendo.

- O que quer dizer? - Harry disse de novo, mas havia uma sensação de gelo mergulhando no seu estômago. Tinha revisitado o cemitério nos sonhos da noite passada.

Dudley soltou uma risada grosseira, então adotou uma voz chorosa aguda.

- Não mate Cedrico! Não mate Cedrico!" Quem é Cedrico, seu namorado?

- Eu... Você está mentindo - disse Harry automaticamente. Mas sua boca ficara seca. Ele sabia que Dudley não mentira, do contrário como saberia sobre Cedrico?

- "Papai! Me ajude, papai! Ele vai me matar, papai! Buu uhh!"

- Cala a boca - disse Harry calmamente. - Cala a boca, Dudley, estou avisando!

- "Venha me ajudar, papai! Mamãe, venha me ajudar! Ele matou Cedrico! Papai, me ajude! Ele vai..." Não aponte essa coisa para mim!

Dudley retrocedera contra a parede do beco. Harry estava apontando a varinha diretamente para o coração do primo. Podia sentir o ódio de catorze anos contra Dudley fervendo nas veias - o que não daria para atacar agora, azará-lo com tanta força que ele teria que rastejar para casa como um inseto, cheio de antenas...

- Nunca mais fale sobre isso de novo - Harry resmungou. - Entendeu?

- Aponte essa coisa para outro lugar!

- Eu disse, entendeu?

- Aponte para outro lugar!

- ENTENDEU?

- AFASTE ESSA COISA DE...

Dudley arfou estranhamente, estremecendo, como se houvesse mergulhado em água gelada.

Algo tinha acontecido com a noite. O céu azul polvilhado de estrelas de repente tornou-se totalmente preto e sem luz - as estrelas, a lua, os postes de ambos as pontas do beco desapareceram. O rugido distante dos carros e o sussurro das árvores se foram. A noite agradável estava repentinamente de um frio penetrante. Estavam rodeados por uma escuridão total, silenciosa e impenetrável, como se alguma mão gigante houvesse jogado um manto frio e grosso sobre todo beco, cegando-os.

Por um breve segundo Harry achou que tinha feito magia sem querer, a despeito do fato que estivera resistindo o máximo que podia - então seu senso predominou - não teria poder para sumir com as estrelas. Voltou a cabeça por todos os lados, tentando ver algo, mas a escuridão pressionava seus olhos como um véu leve.

A voz aterrorizada de Dudley surgiu no ouvido de Harry.

- O-o que está fa-fazendo? Pa-pare!

- Não estou fazendo nada! Cala a boca e não se mova!

- Não co-consigo ver! Fi-fiquei cego! Eu...

- Disse cala a boca!

Harry ficou parado, voltando seus olhos cegos para a direita e esquerda. O frio estava tão intenso que tremia todo; arrepios tinham erguido seus braços e os pêlos da nuca estavam em pé - ele abriu os olhos ao máximo, fitando em volta, sem ver nada.

Era impossível... Eles não podiam estar ali... Não em Little Whinging... Ele apurou os ouvidos... Escutá-los-ia antes de vê-los.

- Vou co-contar ao papai! - Dudley choramingou. - O-onde você está? O que está fa-fazendo-?

- Você vai se calar? - Harry silvou. - Estou tentando esc...

Mas ele se silenciou. Tinha ouvido exatamente o que temera.

Havia algo no beco além deles, algo que estava respirando longa e roucamente. Harry sentiu um horrível choque de terror enquanto ficava tremendo no ar congelante.

- Pa-pare com isso! Pare de fazer isso! Vou ba-bater em você, juro que vou!

- Dudley, cala...

PAM.

Um punho fez contato com o lado da cabeça de Harry, derrubando-o. Pequenas luzes brancas apareceram na frente de seus olhos. Pela segunda vez em uma hora, Harry sentiu como se sua cabeça tivesse lascado em duas; no momento seguinte, tinha caído com força no chão e sua varinha voara da sua mão.

- Seu idiota, Dudley! - Harry gritou, os olhos lacrimejando com a dor enquanto punha-se de quatro, sentindo os arredores freneticamente na escuridão. Ouvira Dudley desatinar a correr, atingindo a cerca do beco, tropeçando. - DUDLEY, VOLTE! ESTÁ CORRENDO DIRETO PARA ELE!

Houve um horrível grito e os passos de Dudley pararam. Ao mesmo tempo, Harry sentiu um frio fantasmagórico atrás dele que só podia significar uma coisa. Havia mais de um.

- DUDLEY, FIQUE COM A BOCA FECHADA! O QUE QUER QUE FAÇA, FIQUE DE BOCA FECHADA! Varinha! - Harry murmurou freneticamente, suas mãos voando pelo chão como aranhas. - Onde está... A varinha... Vamos... Lumus!

Ele disse a magia automaticamente, desesperado por alguma luz que o ajudasse na busca - e para seu alívio descrente uma luz brilhou a poucos centímetros de sua mão direita - a ponta da varinha se acendera.

Harry a agarrou, pôs-se de pé e voltou-se. Seu estômago deu um pulo. Uma figura alta e encapuzada deslizava diretamente até ele, flutuando no chão, sem pés ou rosto visível por baixo dos mantos, sugando a noite enquanto avançava.

Recuando tropeçando, Harry ergueu a varinha.

- Expecto patronum!

Um brilho prateado de vapor saiu da ponta da varinha e o dementador foi retardado, mas a magia não funcionara apropriadamente; tropeçando nos próprios pés, Harry recuou mais, enquanto o dementador avançava para cima dele, o pânico nublando seu cérebro - concentre-se.

Um par de mãos cinzentas, asquerosas e descascadas saíram de dentro dos robes do dementador, procurando alcançá-lo. Um barulho de algo correndo encheu os ouvidos de Harry.

- Expecto patronum!

Sua voz soou fraca e distante. Um outro brilho de fumaça prateada, mais fraca do que a última, saiu da varinha - não conseguiria fazê-lo mais, não conseguia lançar a magia.

Havia uma risada dentro de sua própria cabeça, uma risada aguda e estridente... Podia cheirar o bafo pútrido e frio como a morte do dementador preenchendo seus próprios pulmões, afogando-o. "Pense... Em algo feliz..."

Mas não havia felicidade nele... Os dedos gelados do dementador estavam se fechando sobre sua garganta - a risada aguda ficava cada vez mais alta e uma voz falava dentro de sua cabeça: "Curve-se para a morte, Harry... Pode até ser indolor... Não saberia dizer... nunca morri...".

Nunca mais veria Rony e Hermione...

E seus rostos apareceram claramente na sua mente enquanto lutava por ar.

- EXPECTO PATRONUM!

Um enorme cervo prateado surgiu da ponta da varinha de Harry; seus chifres pegaram o dementador no lugar onde o coração deveria ficar; atirou-o para trás, e enquanto o cerco atacava, o dementador se lançou para longe, derrotado.

- POR AQUI! - Harry gritou para o cervo. Girando nos calcanhares, ele se lançou pelo beco, segurando a varinha acesa no alto. - DUDLEY? DUDLEY!

- Mal correra alguns passos quando os alcançou: Dudley estava encaracolado no chão, seus braços tampando o rosto. Um segundo dementador se curvava sobre ele, agarrando seus pulsos com suas mãos pegajosas, abrindo-os com força devagar, quase carinhosamente, baixando sua cabeça encapuzada na direção do rosto de Dudley como se fosse beijá-lo. - PEGUE-O! - Harry berrou, e com um som de relincho ligeiro, o cervo prateado que ele conjurara passou galopando por ele. O rosto sem olhos do dementador não estava a mais de um centímetro do de Dudley quando os chifres prateados o pegaram; a coisa foi atirada no ar e, como seu companheiro, levantou vôo e foi absorvido na escuridão; o cervo chegou a meio galope no fim do beco e dissolveu-se numa bruma prateada.

A lua, as estrelas e os postes explodiram de volta a vida. Uma brisa quente varreu o beco. As árvores murmuravam nos jardins da vizinhança e o rugido mundano dos carros na Rua Magnólia encheu o ar novamente.

Harry ficou bem parado, todos seus sentidos vibrando, aceitando o abrupto retorno à normalidade. Depois de um momento, tornou-se consciente de que sua camiseta estava grudando nele; estava encharcado de suor.

Não conseguia acreditar no que tinha acabado de acontecer. Os dementadores ali, em Little Whinging.

Dudley ficara enrodilhado no chão, choramingando e tremendo. Harry se inclinou para ver se estava em bom estado para levantar-se, mas então ouviu passos alto correndo atrás dele. Instintivamente ergueu a varinha de novo, virou-se para encarar o recém-chegado.

A Sra. Figg, a velha e maluca vizinha, vinha arfando. Seu cabelo cinzento escapava pela redinha de cabelo, uma sacola de compras tinindo balançava no seu pulso e seus pés estavam metade fora dos chinelos de tartã. Harry guardou a varinha apressadamente para tirá-la de vista, mas...

- Não a guarde, garoto idiota! - ela gritou. - E se houverem mais deles por aí? Ah, vou matar Mundungo Fletcher!
-- CAPÍTULO 2 --
UMA BICADA DE CORUJAS


- O quê? - disse Harry inexpressivamente.

- Ele saiu! - disse a Sra. Figg, fechando com força as mãos. - Saiu para ver alguém sobre um bando de caldeirões que caiu de uma vassoura! Disse a ele que o esfolaria vivo se saísse e agora veja! Dementadores! Foi sorte eu ter posto Seu Patinhas no caso! Mas não temos tempo para ficar por aqui! Apresse-se, agora, temos que levar vocês de volta! Ah, o problema que isso vai causar! Vou matá-lo!

- Mas...

A revelação de que sua velha e maluca vizinha obcecada por gatos sabia o que os Dementadores eram era quase tão chocante para Harry quanto encontrar dois deles no beco.

- Você é... Você é uma bruxa?

- Sou um aborto, como Mundungo sabe muito bem, então como eu poderia ajudá-lo a lutar contra dementadores? Ele deixou você sem nenhuma cobertura quando eu avisei a ele...

- Esse Mundungo estava me seguindo? Espera aí... Foi ele! Ele desaparatou na frente da minha casa!

- Sim, sim, sim, mas foi sorte eu ter colocado Seu Patinhas debaixo do carro só pra ter certeza e Seu Patinhas veio me avisar, mas na hora que cheguei na sua casa você tinha saído... E agora... Ah, o que Dumbledore vai dizer? Você! - ela gritou para Dudley, ainda deitado no chão do beco. - Tire a bunda gorda do chão, rápido!

- Você conhece Dumbledore? - disse Harry, fitando-a.

- Claro que conheço Dumbledore, quem não conhece Dumbledore? Mas vamos... Não serei de utilidade nenhuma se eles voltarem, nunca consegui nem transfigurar um saquinho de chá.

Ela se abaixou, agarrou um dos braços gordos de Dudley nas suas mãos ressecadas e o puxou.

- Levante-se, seu estúpido inútil, levante-se!

Mas Dudley ou não conseguia ou não queria se mover. Ele permaneceu no chão, tremendo e de rosto pálido, sua boca fechada com muita força.

- Eu faço isso - Harry pegou o braço de Dudley e o ergueu. Com um enorme esforço, ele o conseguiu pôr de pé. Dudley parecia estar a ponto de desmaiar. Seus olhos pequenos estavam rolando nas órbitas e o suor empapando seu rosto; no momento que Harry o soltou ele balançou perigosamente.

- Apressem-se! - disse a Sra. Figg histericamente.

Harry pôs um dos braços gordos de Dudley em torno de seus ombros e o arrastou pela rua, afundando ligeiramente sob o peso. A Sra. Figg cambaleava na frente deles, espiando ansiosa na esquina.

- Mantenha a varinha em mãos - ela falou a Harry, enquanto entravam da Wisteria Walk. - Nem se importe com o Estatuto do Sigilo agora, vai ser o diabo se livrar disso de qualquer forma, podemos ir do dragão para o ovo. Falando de Restrição de Magia Para Menores... Era exatamente isso que Dumbledore tinha medo... O que é aquilo no fim da rua? Ah, é só o Seu Patinhas... Não guarde a varinha, garoto, não lhe disse que sou inútil?

Não era fácil segurar a varinha com firmeza e rebocar Dudley ao mesmo tempo. Harry deu uma impaciente cutucada nas costelas do primo, mas Dudley parecia ter perdido todo desejo de movimento independente. Estava tombado sobre o ombro de Harry, seus pés grandes arrastando-se pelo chão.

- Por que não me contou que era um aborto, Sra. Figg? - perguntou Harry, arfando com o esforço de continuar andando. - Todas aquelas vezes que fui na sua casa... Por que não disse nada?

- Ordens de Dumbledore. Devia manter o olho em você mas não dizer nada, você era jovem demais. Desculpe se o fiz sofrer, Harry, mas os Dursley nunca o deixariam ficar comigo se soubessem que você gostaria. Não era fácil, sabe... Mas ah, palavra - ela disse tragicamente, fechando as mãos com força mais uma vez -, quando Dumbledore ouvir isso... Como o Mundungo pôde sair, ele devia ficar a serviço até meia-noite... Onde ele está? Como vou dizer a Dumbledore o que aconteceu? Não consigo aparatar.

- Tenho uma coruja, pode pegá-la emprestada - Harry gemeu, perguntando-se se sua espinha se partiria sob o peso de Dudley.

- Harry, você não entende! Dumbledore precisará agir o mais rápido possível, o Ministério tem seus próprios meios de detectar magia de menores, eles já sabem, guarde minhas palavras.

- Mas eu estava me livrando de dementadores, tinha que usar magia... Eles vão ficar mais preocupados sobre o que os dementadores estavam fazendo flutuando na Wisteria Walk, não?

- Ah meu querido, gostaria que fosse assim, mas temo que... MUNDUNGO FLETCHER, EU VOU MATAR VOCÊ!

Houve um sonoro som de chicote e um forte cheiro de bebida misturado a tabaco velho preencheu o ar enquanto um homem não barbeado e agachado usando um sobretudo esfarrapado se materializava bem diante deles. Ele tinha pernas curtas e curvadas, longos de cabelos cor de gengibre, desalinhados, olhos inchados e injetados que lhe davam a triste aparência de um basset. Também estava segurando um pacote prateado que Harry reconheceu imediatamente como uma Capa da Invisibilidade.

- Q'há, Figginha? - ele disse, olhando da Sra. Figg para Harry e Dudley. - O que 'conteceu quanto a ficar na moita?

- Vou lhe dar a moita! - gritou a Sra. Figg. - Dementadores, seu ladrão inútil e desprezível!

- Dementadores? - repetiu Mundungo, horrorizado. - Dementadores, 'qui?

- Sim, aqui, sua pilha de bosta de morcego inútil, aqui! - gritou a Sra. Figg. - Dementadores atacando o garoto na sua vigia!

- Nossa - disse Mundungo fracamente, olhando da Sra. Figg para Harry e de volta para ela. - Nossa, eu...

- E você saiu para comprar caldeirões roubados! Eu não te disse para não ir? Não DISSE?

- Eu... Bom, eu... - Mundungo parecia profundamente desconfortável. - Era... Era uma oportunidade de negócios muito boa, entende...

A Sra. Figg ergueu o braço em que segurava a sacola de compras e golpeou com força Mundungo no rosto e pescoço com ela; julgando pelo tinido que fazia estava cheia de comida de gato.

- Ai... Pára aí... Pára aí, sua morcega velha! Alguém tem que contar a Dumbledore!

- Sim... Tem! - gritou a Sra. Figg, batendo com a sacola de comida de gato em cada pedaço de Mundungo que conseguia alcançar. - E... É... Melhor... Ser... Você... E... Você... Pode... Contar... A... Ele... Por que... Não... Estava... Aqui... Para... Ajudar!

- Fique com a redinha no lugar! - disse Mundungo, seus braços sobre a cabeça, acovardando-se. - Estou indo, estou indo!

E com outro sonoro barulho de chicote, ele sumiu.

- Espero que Dumbledore o mate! - disse a Sra. Figg, furiosa. - Agora vamos, Harry, o que está esperando?

Harry decidiu não gastar o restante de seu fôlego comentando que mal conseguia andar sob o volume de Dudley. Ele deu uma puxada no semi-inconsciente primo e cambaleou adiante.

- Levarei você até a porta - disse a Sra. Figg, enquanto eles viravam na Rua dos Alfeneiros. - Só no caso de haver mais deles por aí... Ah, palavra, que catástrofe... E você teve que enfrentá-los sozinho... E Dumbledore disse que devíamos evitar que você fizesse mágicas a todo custo... Bem, não adianta chorar sobre a poção derramada, acho... Mas o gato está entre as fadas agora.

- Então - Harry arfou -, Dumbledore tem... Me mantido... Vigiado?

- Claro que tem - disse a Sra. Figg impaciente. - Esperava que ele deixasse você andar por aí sozinho depois do que aconteceu em junho? Bom Deus, garoto, me disseram que você era inteligente... Certo... Entre e fique lá - ela disse quando alcançaram o número quatro. - Acredito que alguém irá entrar em contato logo.

- O que vai fazer? - perguntou Harry rapidamente.

- Vou direto para casa - disse a Sra. Figg, fitando em torno da rua escura e estremecendo. - Precisarei esperar por mais instruções. Simplesmente fique na casa. Boa noite.

- Espere, não vá ainda! Quero saber...

Mas a Sra. Figg já tinha saído num trote, com os chinelos fazendo barulho, a sacola tinindo.

- Espere! - Harry gritou atrás dela. Ele tinha milhões de perguntas a fazer para alguém que estava em contanto com Dumbledore mas dentro de segundos a Sra. Figg foi engolida pela escuridão. Franzindo o cenho, Harry reajustou Dudley no ombro e fez seu lento e doloroso caminho pelo jardim do número quatro.

A luz do corredor estava acesa. Harry meteu a varinha de volta ao cós do jeans, tocou a campainha e observou o contorno de tia Petúnia ficar cada vez maior, estranhamente distorcido pelo vidro ondulado da porta da frente.

- Duda! Já estava na hora, estava ficando bem... Bem... Duda, o que foi!

Harry olhou de esguelha para Dudley e saiu debaixo do braço dele bem em tempo. Dudley cambaleou por um instante, seu rosto verde pálido... Então abriu a boca e vomitou por todo capacho.

- DUDA! Duda, o que está sentindo? Válter? VÁLTER!

O tio de Harry veio galopando para fora da sala de estar, o bigode em forma de cavalo marinho se mexendo para lá e para cá como sempre fazia quando estava agitado. Ele se apressou  para ajudar tia Petúnia a passar um enfraquecido Dudley pelo solado da porta, evitando pisar na poça de vômito.

- Ele está doente, Válter!

- O que é, filho? O que aconteceu? A Sra. Polkiss lhe deu algo estranho como chá?

- Por que está todo coberto de sujeira, querido? Esteve no chão?

- Espere aí... Você não foi assaltado, foi, filho? - tia Petúnia gritou. - Telefone para a polícia, Válter! Telefone para a polícia! Duda, querido, fale com a mamãe! O que eles fizeram com você?

Com toda confusão ninguém pareceu notar Harry, o que lhe agradou perfeitamente. Ele conseguiu entrar pouco antes de tio Válter bater a porta e, enquanto os Dursley faziam seu barulhento progresso pelo corredor em direção a cozinha, Harry se moveu cuidadosa e calmamente em direção à escada.

- Quem fez isso, filho? Nos dê nomes. Pegaremos eles, não se preocupe.

- Psiu! Ele está tentando dizer algo, Válter! O que é, Duda? Conte para mamãe!

O pé de Harry estava no primeiro degrau quando Dudley descobriu sua voz.

- Ele.

Harry congelou, o pé na escada, o rosto contorcido, cercado pela explosão.

- GAROTO! VENHA AQUI!

Com um sentimento de terror e raiva misturados, Harry removeu seu pé vagarosamente da escada e se voltou para seguir os Dursley. A cozinha meticulosamente limpa tinha um brilho estranhamente irreal depois da escuridão lá fora. Tia Petúnia estava conduzindo Dudley para uma cadeira; ainda estava muito verde e de aparência doente. Tio Válter estava de pé em frente do escorredor, olhando furioso para Harry através dos minúsculos olhos estreitados.

- O que fez com meu filho? - disse num rosnado ameaçador.

- Nada - disse Harry, sabendo perfeitamente bem que tio Válter não acreditaria.

- O que ele fez com você, Duda? - tia Petúnia disse numa voz trêmula, agora removendo o vômito da frente da jaqueta de couro de Dudley. - Foi... Foi você-sabe-o-quê, querido? Ele usou... A coisa dele?

Lenta e tremulamente, Dudley assentiu.

- Não usei! - Harry disse com severidade, enquanto tia Petúnia soltava um lamento e tio Válter erguia os punhos. - Não fiz nada com ele, não foi eu, foi...

Mas naquele momento preciso uma coruja chiando desceu através da janela da cozinha. Por pouco atingindo o topo da cabeça de tio Válter, ela pairou pela cozinha, largou um grande envelope de pergaminho que carregava no seu bico aos pés de Harry, virou-se graciosamente, as pontas de suas asas tocando de leve o topo da geladeira, então zuniu para fora de novo e partiu do jardim.

- CORUJAS! - berrou tio Válter, a bem conhecida veia na sua têmpora pulsando raivosamente enquanto ele fechava a janela com força. - CORUJAS DE NOVO! NÃO ACEITAREI MAIS CORUJAS NA MINHA CASA!

Mas Harry já estava abrindo o envelope e tirando a carta, seu coração localizado em algum lugar na região de seu pomo de adão.

"Caro Sr. Potter,

Recebemos informação de que realizou o Feitiço do Patrono às nove e vinte e três desta noite numa área habitada por trouxas e na presença de um trouxa. A severidade desta violação do Decreto de Restrição a Magia Para Menores resultou na sua expulsão da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Os representantes do Ministério irão à sua casa em breve para destruir sua varinha.

Como já deve ter recebido um aviso oficial por ofensa anterior sob a Seção 13 do Estatuto de Sigilo da Confederação Internacional dos Bruxos, nós lamentamos informar que sua presença é requerida numa audiência disciplinar no Ministério da Magia às 9 horas da manhã no dia doze de agosto.

Esperando que esteja bem,

Sinceramente,

Mafalda Hopkirk

Departamento de Uso Impróprio da Magia

Ministério da Magia"

Harry leu a carta duas vezes. Estava apenas vagamente consciente de tio Válter e tia Petúnia conversando. Dentro de sua cabeça tudo era gelo e dormência. Um fato que penetrara na sua consciência como um dardo paralisante. Estava expulso de Hogwarts.

Estava tudo acabado. Nunca voltaria. Ergueu os olhos para os Dursley. Tio Válter estava com o rosto púrpura, gritando, seus punhos ainda erguidos; tia Petúnia tinha os braços em torno de Dudley, que tentava vomitar de novo. O cérebro temporariamente estupefato de Harry pareceu acordar. "Os representantes do Ministério chegarão à sua casa em breve para destruir sua varinha". Só havia uma coisa a fazer. Ele teria que fugir - agora. Para onde iria Harry não sabia, mas tinha certeza de uma coisa: em Hogwarts ou fora dela precisava da varinha. Num estado quase de sonho, ele tirou a varinha e se voltou para abandonar a cozinha.

- Onde acha que está indo? - gritou tio Válter. Quando Harry não respondeu, ele cruzou a cozinha para bloquear a porta que dava para o corredor. - Não terminei com você, garoto!

- Saia do caminho - disse Harry calmamente.

- Você vai ficar aqui e explicar como meu filho...

- Se você não sair do caminho vou azará-lo - disse Harry, erguendo a varinha.

- Não pode usar essa coisa em mim! - resmungou tio Válter. - Eu sei que não tem permissão para usá-la fora daquele hospício que chama de escola!

- O hospício me chutou - disse Harry. - Então posso fazer o que quiser. Você tem três segundos. Um... Dois...

Um ressoante som de estalo encheu a cozinha. Tia Petúnia gritou, tio Válter gritou e se abaixou, mas pela terceira vez naquela noite Harry buscava pela fonte da perturbação que ele não fizera. Ele a notou imediatamente: uma coruja desmantelada estava sentada do lado de fora do peitoril da cozinha, tendo acabado de colidir com a janela fechada. Ignorando o grito angustiado de tio Válter de "CORUJAS!" Harry cruzou o aposento apressado e abriu com força a janela. A coruja apontou a perna, na qual um pequeno rolo de pergaminho estava amarrado, balançou as penas e partiu no momento em que Harry tirara a carta.

As mãos tremendo, desenrolou a segunda mensagem, que fora escrita afobada e negligentemente com tinta preta.

"Harry?

Dumbledore acabou de chegar no Ministério e está tentando resolver tudo. NÃO ABANDONE A CASA DE SEUS TIOS. NÃO FAÇA NENHUMA MAGIA. NÃO ENTREGUE SUA VARINHA.

Arthur Weasley"


Dumbledore estava tentando resolver tudo... O que isso significava? Quanto poder Dumbledore teria para sobrepujar o Ministério da Magia? Havia uma chance de que ele recebesse permissão para voltar a Hogwarts, então?

Um pequeno raio de esperança floresceu no peito de Harry, quase imediatamente estrangulado pelo pânico - como ele deveria recusar a entregar a varinha sem usar mágica? Teria que duelar com os representantes do Ministério e se fizesse isso teria sorte em escapar de Azkaban, sem falar a expulsão. Sua mente estava funcionando rápido... Poderia fugir e arriscar ser capturado pelo Ministério ou ficar e esperar por virem encontrá-lo ali. Estava muito mais tentado à primeira idéia mas sabia que o Sr. Weasley tinha os melhores interesses... E, afinal de contas, Dumbledore já resolvera coisas muito piores do que esta antes.

- Certo - Harry disse -, mudei de idéia, vou ficar - lançou-se na mesa da cozinha e encarou Dudley e tia Petúnia. Os Dursley pareciam sobressaltados por sua abrupta mudança de opinião. Tia Petúnia olhava com desespero para o tio Válter. A veia na sua têmpora púrpura estava latejando pior do que nunca.

- De quem são todas essas corujas? - ele resmungou.

- A primeira veio do Ministério da Magia, me expulsando - disse Harry calmamente. Apurava os ouvidos para captar quaisquer barulhos do lado de fora, no caso dos representantes do Ministério estarem se aproximando e era mais fácil e calmo responder as perguntas do tio Válter do que tê-lo encolerizado e berrando. - A segunda veio do pai do meu amigo Rony, que trabalha no Ministério.

- Ministério da Magia? - berrou tio Válter. - Pessoas como você no governo! Ah, isso explica tudo, tudo, não é de se espantar que o país esteja indo pro buraco - quando Harry não respondeu tio Válter olhou furioso para ele e então soltou: - E por que foi expulso?

- Por que fiz mágica.

- AHÁ! - rugiu tio Válter, batendo com o punho no alto da geladeira, que se abriu; vários doces dietéticos de Dudley desabaram no chão. - Então admite! O que você fez com Dudley?

- Nada - disse Harry, ligeiramente com menos calma. - Não fui eu...

- Foi - murmurou Dudley inesperadamente e tio Válter e tia Petúnia instantaneamente fizeram gestos para Harry a fim de silenciá-lo enquanto ambos se inclinavam sobre o garoto.

- Continue, filho - disse tio Válter. - O que ele fez?

- Conte-nos querido - sussurrou a tia Petúnia.

- Apontou a varinha para mim - Dudley murmurou.

- É, eu apontei, mas não usei... - Harry começou com raiva.

- CALE-SE! - rugiram tio Válter e tia Petúnia em uníssono.

- Continua, filho - repetiu tio Válter, o bigode se mexendo com fúria.

 - Ficou tudo escuro - Dudley disse roucamente, estremecendo. - Tudo escuro. E então eu o-ouvi... Coisas. Dentro da mi-minha cabeça.

Tio Válter e tia Petúnia trocaram olhares de absoluto horror. Se a coisa pior no mundo para eles era a magia - seguida de perto por vizinhos que trapaceavam mais do que eles quanto ao banimento da mangueira - as pessoas que ouviam vozes definitivamente estavam entre as dez mais. Obviamente pensavam que Dudley estava enlouquecendo.

- Que tipo de coisas você ouviu, Dudinha? - sussurrou tia Petúnia, muito pálida e com lágrimas nos olhos.

Mas Dudley parecia incapaz de dizer. Ele estremeceu de novo e balançou a cabeçorra loira e, a despeito da sensação de terror bestificante que tinha se estabelecido em Harry desde a chegada da primeira coruja, ele sentiu uma certa curiosidade. Os dementadores faziam uma pessoa reviver os piores momentos de sua vida. O que o mimado e brigão Dudley teria sido forçado a ouvir?

- Como você caiu, filho? - disse tio Válter, numa voz calma não natural, o tipo de voz que se usaria ao leito de uma pessoa muito doente.

- Tr-tropecei - disse Dudley tremulamente. - E então...

Ele gesticulou para o peito compacto. Harry entendeu. Dudley se lembrava do frio clemente que enchera os pulmões, enquanto a esperança e felicidade eram sugadas.

- Horrível - grasnou Dudley. - Frio. Frio mesmo.

- OK - disse tio Válter, numa voz de calma forçada, enquanto tia Petúnia punha uma mão ansiosa na testa de Dudley para sentir a temperatura. - O que aconteceu então, Dudinha?

- Senti... Senti... Senti... Como se... Como se...

- Como se nunca fosse ser feliz de novo - Harry ajudou, entediado.

- Sim - Dudley sussurrou, ainda tremendo.

- Então! - disse tio Válter, a voz restaurada a um volume total e considerável enquanto ele se endireitava. - Você pôs algum feitiço de loucura no meu filho então ele ouve vozes e acredita que estava... Condenado ao sofrimento ou algo assim, não?

- Quantas vezes tenho que dizer? - disse Harry, o mau humor e a voz se erguendo. - Não fui eu! Foi um bando de dementadores!

- Um bando de... O que é essa besteira?

- De-men-ta-do-res - disse Harry lenta e claramente. - Dois deles.

- E o que diabos são dementadores?

- Eles guardam a prisão dos bruxos, Azkaban - disse tia Petúnia.

Dois segundos de silêncio mortal seguiram as palavras antes que tia Petúnia tampasse a boca com a mão, como se tivesse dito um horrível palavrão. Tio Válter a olhava com olhos arregalados. O cérebro de Harry vacilou. A Sra. Figg era uma coisa... Mas tia Petúnia?

- Como sabe disso? - ele perguntou a ela, espantado.

Tia Petúnia parecia bem aterrorizada consigo mesma. Olhava para tio Válter numa desculpa temerosa, então abaixou a mão ligeiramente para revelar seus dentes cavalares.

- Ouvi... Aquele garoto horroroso... Contar a ela sobre eles... Anos atrás - ela disse pateticamente.

- Se quer dizer meus pais por que não usa o nome deles? - disse Harry em voz alta mas tia Petúnia o ignorou.

Ela parecia terrivelmente perturbada. Harry estava abalado. Exceto por uma explosão anos atrás, quando tia Petúnia gritara que a mãe de Harry fora uma aberração, ele nunca a escutara mencionar a irmã. Estava espantado que ela se lembrasse deste tipo de informação sobre o mundo mágico por tanto tempo, quando normalmente se esforçava ao máximo para fingir que ele não existia.

Tio Válter abriu a boca, fechou-a de novo, abriu-a mais uma vez, fechou-a, então, aparentemente lutando para lembrar-se como falar, abriu-a por uma terceira vez e grasnou:

- Então... Então... Eles... Er... Eles... Er... Eles realmente existem, é... Er... Dementesquisitos?

Tia Petúnia assentiu. Tio Válter olhava de tia Petúnia para Dudley e para Harry como se esperasse que alguém fosse gritar "primeiro de abril!". Quando ninguém o fez, ele abriu a boca novamente mas foi salvo da luta em encontrar mais palavras pela chegada da terceira coruja da noite. Ela zuniu pela janela ainda aberta como uma bala de canhão empenada e aterrissou barulhentamente na mesa da cozinha, fazendo com que os três Dursley pulassem assustados.

Harry tirou um segundo envelope de aparência oficial do bico da coruja e o abriu enquanto a coruja voava de volta para noite.

- Chega... De... Corujas - murmurou tio Válter distraidamente, indo até a janela e batendo-a novamente.


"Caro Sr. Potter,

Em acréscimo a nossa carta de aproximadamente vinte e dois minutos atrás, o Ministério da Magia revisou sua decisão de destruir sua varinha imediatamente. Você pode conservá-la até sua audiência disciplinar em doze de agosto, no momento em que uma decisão oficial será tomada. Segundo discussões com o diretor da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, o Ministério concordou que o assunto de sua expulsão também será decidido neste momento. Deve, portanto, considerar-se suspenso da escola até o inquérito pendente.

Com melhores desejos,

Sinceramente,

Mafalda Hopkirk

Departamento de Uso Impróprio da Magia

Ministério da Magia"


Harry leu esta carta três vezes em sucessão rápida. O nó angustiante no seu peito se afrouxou ligeiramente com o alívio de saber que ainda não estava definitivamente expulso, embora seus medos de modo algum estivessem banidos. Tudo parecia depender desta audiência em doze de agosto.

- Bom? - disse tio Válter, chamando Harry à realidade. - E agora? Sentenciaram você a alguma coisa? Sua laia tem a pena de morte? - acrescentou como um pensamento tardio esperançoso.

- Tenho que ir a uma audiência - disse Harry.

- E eles vão sentenciá-lo lá?

- Acredito que sim.

- Não vou perder a esperança, então - disse tio Válter desagradavelmente.

- Bom, se é isso - disse Harry, pondo-se de pé. Estava desesperado para ficar sozinho, para pensar, quem sabe mandar uma carta a Rony, Hermione ou Sirius.

- NÃO, ISSO NÃO É TUDO! - berrou tio Válter. - SENTE-SE DE VOLTA!

- O que é agora? - disse Harry impaciente.

- DUDLEY! - rugiu tio Válter. - Quero saber exatamente o que aconteceu com meu filho!

- ÓTIMO! - gritou Harry e, no seu mau humor, faíscas vermelhas e douradas saíram da ponta da varinha, ainda na sua mão. Todos os três Dursley se acovardaram, parecendo aterrorizados. - Dudley e eu estávamos no beco entre a Rua Magnólia e Wisteria Walk - disse Harry, falando rápido, lutando para controlar seu humor. - Dudley pensou que daria uma de espertinho para cima de mim, eu puxei a varinha, mas não usei. Então dois dementadores apareceram...

- Mas o que SÃO os dementóides? - perguntou tio Válter furioso. - O que eles FAZEM?

- Eu contei... Eles sugam toda felicidade de você - disse Harry - e se eles têm a chance, beijam...

- Beijam? - disse tio Válter, seus olhos disparando ligeiramente. - Beijam?

- É o que eles chamam quando eles sugam a alma pela boca.

Tia Petúnia soltou um grito suave.

- A alma dele? Eles não a pegaram... Ele ainda tem a...

Ela agarrou Dudley pelos ombros e o chocalhou, como se testasse para ver se ela conseguia ouvir sua alma se agitando lá dentro.

- Claro que eles não a tiraram, você saberia se tivessem - disse Harry exasperado.

- Lutou com eles, não foi, filho? - disse tio Válter em voz alta, com a aparência de um homem lutando para trazer a conversa de volta a um plano que entendia. - Deu-lhes o velho um-dois, não?

- Você não dá a um dementador o velho um-dois - disse Harry através dos dentes apertados.

- Por que ele está bem, então? - zuniu tio Válter. - Por que não está todo vazio, então?

- Porque usei o Patrono...

WHOOSH. Com um barulho de asas e uma suave queda de poeira, uma quarta coruja saiu em disparada da lareira da cozinha.

- PELO AMOR DE DEUS! - rugiu tio Válter, arrancando grandes tufos de pêlos do bigode, algo que ele não fora levado a fazer em muito tempo. - EU NÃO RECEBEREI MAIS CORUJAS AQUI, NÃO VOU TOLERAR ISSO, ESTOU DIZENDO!

Mas Harry já estava tirando um rolo de pergaminho da perna da coruja. Estava tão convencido que esta carta era de Dumbledore, explicando tudo - os dementadores, a Sra. Figg, o que o Ministério está aprontando, como ele, Dumbledore, pretendia resolver tudo - que pela primeira vez na vida ficou desapontado ao ver a caligrafia de Sirius. Ignorando o bombardeio de tio Válter sobre corujas e estreitando seus olhos contra uma segunda nuvem de poeira quando a mais recente coruja subiu de novo pela chaminé, Harry leu a mensagem de Sirius.

"Arthur acabou de nos contar o que aconteceu. Não deixe a casa de novo, o que quer faça."

Harry achou esta resposta tão inadequada a tudo o que tinha acontecido esta noite que ele virou o pedaço de pergaminho, procurando pelo resto da carta, mas não havia nada mais. E agora seu mau humor se elevava de novo. Ninguém ia dizer "bom trabalho" por combater dois dementadores sozinho? Tanto o Sr. Weasley quanto Sirius estavam agindo como se ele tivesse se portado mal e estavam economizando as explicações até que tivessem certeza de quanto dano fora feito.

- ... uma bicada, quero dizer, um bando de corujas disparando para dentro e fora de minha casa. Não aceitarei isso, garoto, não...

- Não posso fazer as corujas pararem de vir - Harry soltou, amassando a carta de Sirius na mão.

- Quero a verdade sobre o que aconteceu esta noite! - latiu tio Válter. - Se foram dementeiros que feriram Dudley, como você foi expulso? Você fez você-sabe-o-que, você admitiu!

Harry respirou profundamente. Sua cabeça estava começando a doer de novo. Queria mais do que tudo sair da cozinha e se afastar dos Dursley.

- Fiz o Feitiço do Patrono para me livrar dos dementadores - disse, forçando-se a permanecer calmo. - É a única coisa que funciona com eles.

- Mas o que os dementóides faziam em Little Whinging? - disse tio Válter num tom ultrajado.

- Não saberia dizer - disse Harry cansado. - Não tenho idéia.

Sua cabeça doía com a iluminação agora. Sua raiva estava se exaurindo. Sentia-se drenado, exausto. Os Dursley todos o estavam fitando.

- É você - disse tio Válter poderosamente. - Tem algo a ver com você, garoto, eu seu disso. Por que mais eles apareceriam aqui? Por que mais eles estariam naquele beco? Você é o único.. O único... -  evidentemente, ele não conseguia forçar-se a dizer a palavra "bruxo". - O único você-sabe-o-que por quilômetros.

- Não sei por que eles estavam aqui.

Mas ante as palavras de tio Válter o cérebro exausto de Harry voltara à ação. Por que os dementadores haviam vindo a Little Whinging? Como poderia ser coincidência que eles tenham chegado no beco em que Harry estava? Tinham sido enviados? Teria o Ministério da Magia perdido o controle dos dementadores? Teriam eles desertado Azkaban e se juntado a Voldemort, como Dumbledore previra que fariam?

- Estes desmembrados guardam alguma prisão de esquisitos? - perguntou tio Válter, seguindo a trilha de pensamento de Harry.

- Sim - disse Harry.

Se pelo menos sua cabeça parasse de doer, se ao menos pudesse sair da cozinha e chegar ao seu quarto escuro e pensar...

- Oho! Eles vieram prendê-lo! - disse tio Válter, com o ar triunfante de um homem que chegou a uma conclusão inexpugnável. - É isso, não é, rapaz? Você está fugindo da lei!

- Claro que não - disse Harry, balançando a cabeça como se espantasse uma mosca, sua mente agitada agora.

- Então por quê...?

- Ele deve tê-los enviado - disse Harry calmamente, mas para si do que para tio Válter.

- Que o quê? Quem deve tê-los enviado?

- Lord Voldemort - disse Harry.

Ele registrou fracamente quão estranho era que os Dursley - que se acovardavam, recuavam e se contorciam se ouvissem palavras como "bruxo", "magia" ou "varinha" - conseguissem escutar o nome do bruxo mais maligno de todos os tempos sem o menor tremor.

- Lord... Espere aí - disse tio Válter, seu rosto contorcido, um olhar de compreensão alcançando seus olhos suínos. - Já ouvi esse nome... Foi ele quem...

- Matou meus pais, sim - Harry disse entediado.

- Mas ele se foi - disse tio Válter impaciente, sem o menor sinal de que o assassinato dos pais de Harry pudesse ser um assunto doloroso. - Aquele gigante disse isso. Ele se foi.

- Ele voltou - disse Harry pesadamente. Parecia estranhíssimo estar parado ali, na cozinha cirurgicamente limpa de tia Petúnia, ao lado da geladeira topo de linha e da televisão wide-screen, conversando tranqüilamente sobre Lord Voldemort com tio Válter. A chegada dos dementadores em Little Whinging parecia ter furado a grande e invisível muralha que dividia o mundo cruelmente não-mágico da Rua dos Alfeneiros e o mundo além, as duas vidas de Harry tinham de alguma forma se fusionado e tudo estava de cabeça para baixo; os Dursley perguntavam detalhes sobre o mundo mágico e a Sra. Figg conhecia Alvo Dumbledore; os dementadores flutuavam em torno de Little Whinging e ele poderia nunca mais retornar a Hogwarts. A cabeça de Harry latejou mais dolorosamente.

- De volta? - sussurrou tia Petúnia.

Ela olhava para Harry como se nunca o tivesse visto antes. E, inesperadamente, pela primeira vez na vida, Harry ligou completamente que tia Petúnia era irmã de sua mãe. Não saberia dizer por que aquilo o atingiu com tanta força naquele momento. Tudo que sabia era que não era a única pessoa no aposento que tinha uma noção do que a volta de Lord Voldemort poderia significar. Tia Petúnia nunca na sua vida o olhara daquele jeito antes. Os grandes e pálidos olhos dela (tão diferentes dos da irmã) não estavam estreitados com desgosto ou raiva, estavam arregalados e temerosos. O furioso fingimento que tia Petúnia mantivera por toda vida de Harry - que não havia magia nem outro mundo além do que ela habitava com tio Válter - parecia ter desvanecido.

- Sim - Harry disse, conversando diretamente com tia Petúnia agora. - Voltou há um mês. Eu o vi.

As mãos dela encontraram os grandes ombros cobertos de couro de Dudley e se agarraram neles.

- Espere aí - disse tio Válter, olhando de sua esposa para Harry e então de novo para ela, aparentemente ofuscado e confuso para compreensão sem precedentes que parecia ter aparecido entre eles. - Espere aí Este Lord Voldemort está de volta, você diz.

- Sim.

- Aquele que assassinou seus pais.

- Sim.

- E agora está mandado desmembradores atrás de você?

- Parece que sim - disse Harry.

- Entendo - disse tio Válter, olhando de sua pálida esposa para Harry e subindo as calças. Ele parecia estar inchando, seu grande rosto púrpura esticando diante dos olhos de Harry. - Bom, é isso - ele disse, a frente de sua camisa estirando como se inflasse -, você pode abandonar esta casa, rapaz!

- O quê? - disse Harry.

- Você me ouviu. FORA! - tio Válter berrou e até tia Petúnia e Dudley pularam. - FORA! FORA! Deveria ter feito isso anos atrás! Corujas tratando o lugar como casa de repouso, pudins explodindo, metade da sala destruída, o rabo de Dudley, Guida inflando até o teto e aquele Ford Anglia voador. FORA! FORA! Já chega! Você é história! Você não vai ficar aqui se tem um louco atrás de você, você não vai pôr em perigo minha esposa e filho, você não vai trazer problemas para nós. Se vai seguir o mesmo caminho que seus pais inúteis, já chega! FORA!

Harry ficou congelado. As cartas do Ministério, Sr. Weasley e Sirius, todas foram esmagadas na sua mão esquerda. "Não abandone a casa de novo, o que quer que faça. NÃO DEIXE A CASA DE SEUS TIOS."

- Você me escutou! - disse tio Válter, inclinando-se para frente, seu rosto púrpura e gordo chegando perto do de Harry, na verdade sentia salpicos de cuspe atingir seu rosto. - Vá andando! Você estava doido para partir meia hora atrás! Estou bem atrás de você! Saia e nunca apareça na nossa porta de novo! Por que cuidamos de você em primeiro lugar eu não sei, Guida estava certa, deveríamos tê-lo deixado no orfanato. Fomos gentis demais para seu próprio bem, pensamos que poderíamos arrancar isso de você, pensamos que poderíamos torná-lo normal, mas estava podre desde o início e já agüentei o bastante. Corujas!

A quinta coruja zuniu pela chaminé tão rápido que na verdade bateu no chão antes de voltar ao ar com um grito sonoro. Harry ergueu a mão para agarrar a carta, que estava num envelope vermelho, mas ela pairou direto sobre sua cabeça, voando diretamente para tia Petúnia, que soltou um grito e mergulhou, seus braços sobre a cabeça. A coruja soltou o envelope vermelho na sua cabeça, voltou-se e voou direto para a chaminé.

Harry se lançou para pegar a carta mas tia Petúnia chegou primeiro.

- Você pode abri-la se quiser - disse Harry -, mas escutarei de qualquer forma. Isso é um berrador.

- Solte isso, Petúnia! - rugiu tio Válter. - Não toque nisso, pode ser perigoso!

- Está endereçado a mim - disse tia Petúnia numa voz trêmula. - Está endereçado a mim, Válter, veja! Sra. Petúnia Dursley, a cozinha, número quatro, Rua dos Alfeneiros...

Ela prendeu a respiração, horrorizada. O envelope vermelho começara a fumegar.

- Abra-o! - Harry a encorajou. - Acabe com isso! Vai acontecer de qualquer maneira.

- Não.

A mão de tia Petúnia tremia. Ela olhava loucamente em torna da cozinha como se buscasse uma rota de fuga, mas tarde demais - o envelope caiu em chamas. Tia Petúnia gritou e o soltou.

Uma voz terrível encheu a cozinha, ecoando no espaço confinado, saindo da carta queimando na mesa.

"LEMBRE-SE DA MINHA ÚLTIMA, PETÚNIA."

Tia Petúnia parecia que ia desmaiar. Ela afundou na cadeira ao lado de Dudley, o rosto nas mãos. Os restos do envelope ardiam até virar cinzas em silêncio.

- O que é isso? - tio Válter disse rouco. - O que... Eu não... Petúnia?

Tia Petúnia não disse nada. Dudley fitava a mãe estupidamente, sua boca arreganhada. O silêncio se espalhava de modo horrível. Harry observava a tia, completamente assombrado, sua cabeça pronta para explodir.

- Petúnia, querida? - disse tio Válter timidamente. - P-Petúnia?

Ela ergueu a cabeça. Ainda tremia. Engoliu em seco.

- O garoto. O garoto terá que ficar, Válter - ela disse fracamente.

- O-o quê?

- Ele fica - ela disse. Não olhava para Harry. Pusera-se de pé novamente.

- Ele... Mas Petúnia...

- Se o chutarmos os vizinhos vão falar - ela disse. Estava recuperando rapidamente suas maneiras bruscas e cortantes, embora ainda estivesse muito pálida. - Farão perguntas estranhas, vão querer saber para onde ele foi. Temos que mantê-lo.

Tio Válter se esvaziou como um pneu velho.

- Mas Petúnia, querida...

Tia Petúnia o ignorou. Ela se voltou para Harry.

- Você fica em seu quarto - ela disse. - Não vai deixar a casa. Agora vá para cama - Harry não se moveu.

- De quem era o berrador?

- Não faça perguntas - tia Petúnia retorquiu.

- Está em contanto com bruxos?

- Eu disse para ir para cama!

- O que isso significa? Lembre-se da minha última o quê?

- Vá para cama!

- Como...?

- VOCÊ OUVIU SUA TIA, AGORA VÁ PARA CAMA!

-- CAPÍTULO 3 --
A GUARDA AVANÇADA


"Acabo de ser atacado por dementadores e posso ser expulso de Hogwarts. Quero saber o que está acontecendo e quando eu vou poder sair daqui."

Harry copiou essas palavras em três pedaços diferentes de pergaminho assim que chegou na mesa do seu quarto. Endereçou o primeiro para Sirius, o segundo para Rony e o terceiro para Hermione. Sua coruja, Edwiges, estava caçando; sua gaiola estava vazia sobre a mesa. Harry ficou na cama aguardando por seu retorno, sua cabeça estava latejando, seu cérebro estava tão ocupado que não conseguia dormir. Suas costas doíam por ter carregado Duda até em casa e os dois galos em sua cabeça, resultado das pancadas que levou, estavam doendo muito.

Sua cabeça não parava de pensar em tudo o que acontecera. Ele estava furioso com tudo isso. Dementadores o caçando, a Sra. Figg e Mundungo Fletcher o espionando secretamente, a suspensão de Hogwarts e os avisos do Ministério da Magia - e ninguém pra lhe dizer o que estava acontecendo. E o que aquele berrador queria dizer? De quem era aquela voz que ecoou pela cozinha? Por que ele ainda estava sendo privado de notícias? Por que todos o tratavam como se fosse uma criancinha? Não faça mais nenhuma mágica, fique na casa...

Ele chutou seu malão quando passou por ele, mas longe de afastar sua raiva, agora se sentia pior, seu pé agora doía igual a seu corpo inteiro.

Edwiges entrou pela janela de forma tão suave que parecia um pequeno fantasma.

- Bem na hora! - disse Harry enquanto ela pousava em cima da gaiola. - Você pode

largar isso ai mesmo, eu tenho trabalho para você! Venha aqui.

Harry amarrou os 3 pedaços de pergaminho na pata dela.

- Leve essas mensagens para Sirius, Rony e Hermione e não volte sem uma resposta esclarecedora. Fique bicando eles até que escrevam uma carta bem longa. Entendeu?

Edwiges fez um ruído como se estivesse falando com ele.

- Então vá andando.

E ela saiu imediatamente. Harry se deitou na cama sem trocar as roupas e ficou olhando para o teto escuro. Agora além de tudo ele estava se sentindo culpado por ter falado de forma tão rude com Edwiges, sua única amiga na Rua dos Alfeneiros, número 4. Mas ele a recompensaria quando ela voltasse com as respostas.

Eles escreveriam de volta. Não poderiam ignorar um ataque de dementadores. Ele provavelmente acordaria com três cartas quilométricas cheias de simpatia e planos para sua remoção imediata para A Toca. E com aquela idéia confortante, o sono chegou sobre ele afastando todos os outros pensamentos...

***

Mas Edwiges não retornou na manhã seguinte. Harry passou o dia inteiro em seu quarto, saindo apenas para ir a banheiro. Três vezes naquele dia tia Petúnia empurrou comida por baixo da portinha que tio Válter colocou na porta do

quarto dele há alguns verões atrás. Cada vez que Harry a ouvia se aproximando ficava imaginando sobre o berrador... Mas não podia fazer nada. E isso continuou por três dias seguidos. Harry já estava ficando cheio disso.

E se enfrentasse o Ministério? E se fosse expulso e sua varinha quebrada? O que faria, pra onde iria? Ele não poderia voltar a viver com os Dursley, não agora que conhecia o outro mundo, ao qual ele realmente pertencia. Será que poderia ir viver com Sirius? Não sabia o que fazer...

Na quarta noite após a partida de Edwiges Harry estava deitado com a mente exausta quando seu tio entrou no quarto. Tio Válter estava vestindo a melhor roupa que tinha e estava com uma expressão de que era alguém importante.

- Nós estamos saindo - disse ele.

- Como?

- Eu disse que eu, sua tia e Duda vamos sair.

- Tudo bem.

- Você não vai sair desse quarto enquanto estivermos fora.

- Certo.

- Não ligue a tv, nem o som, e não mexa em nenhuma de nossas coisas.

- Sem problemas.

- E não pegue comida na geladeira.

- Pode deixar.

- Eu vou trancar sua porta.

- Pode trancar.

E tio Válter se virou, fechou a porta e saiu de casa. Harry não se importou com a saída dos Dursley. Pra ele não fazia nenhuma diferença se estavam em casa ou não. Ele não tinha forças nem pra se levantar e acender a luz. Ficou ouvindo os sons da noite, deitado em sua cama.

Então ouviu um som vindo da cozinha. Não podiam ser os Dursley, haviam acabado de sair e não tinha ouvido o carro. Houve silêncio por alguns segundos e depois vieram vozes.

"Ladrões", pensou ele. Mas um segundo depois lhe ocorreu que ladrões

não ficariam falando assim tão alto. Harry agarrou a varinha, que estava na mesinha de cabeceira, e se aproximou da porta do quarto para tentar ouvir melhor. Afastou pra trás ao ouvir a fechadura destrancar e abriu a porta.

Harry ficou parado diante da porta aberta tentando ouvir outros ruídos,

mas não havia nenhum. Hesitou por um momento e se moveu silenciosamente para fora de seu quarto em direção às escadas.

Seu coração parecia estar galopando. Havia pessoas de pé na sala abaixo, silhuetas contra a luz que entrava pelos vidros da porta, oito ou nove deles, e todos estavam olhando para ele.

- Abaixe sua varinha, garoto, antes que fure o olho de alguém - disse

uma voz em tom de grunhido.

O coração de Harry deu um salto. Ele conhecia aquela voz mas não abaixou a varinha.

- Professor Moody? - disse ele duvidoso.

- Não sei muito sobre "professor" - grunhiu a voz. - Desça aqui para vermos você melhor.

Harry abaixou a varinha, continuou a segurando com firmeza, mas não se moveu. Ele tinha todas as razões para suspeitar. Havia passado 9 meses em companhia

de Olho-Tonto Moody para no final descobrir que era um impostor que tentou matá-lo.  Mas antes que Harry pudesse tomar uma decisão uma segunda voz subiu pelas escadas.

- Está tudo bem Harry. Nós viemos para levá-lo daqui.

O coração de Harry saltou. Ele também conhecia aquela voz.

- Professor Lupin? É você?

- Por que estamos de pé no escuro? - disse uma outra voz completamente desconhecida. - Lumus.

E a ponta de uma varinha se acendeu. Harry piscou. As pessoas lá em baixo levantaram suas cabeças para que pudessem ser vistas melhor. Lupin era o que estava mais próximo. Parecia cansado e doente. Mas tentou sorrir para amenizar o estado de choque.

- Ah, ele realmente parece com o que eu imaginava - disse a bruxa que segurava a varinha. Ela parecia ser a mais jovem entre eles. - Wotcher, Harry!

- Sim, eu vejo o que você quis dizer, Remo - disse um mago negro que estava um pouco mais atrás -, ele parece mesmo com Tiago Potter.

- Exceto pelos olhos - disse uma outra voz. - Tem os olhos da Lílian.

- Você acha que é ele mesmo, Lupin - perguntou uma voz que vinha de trás de Moody. - Vamos perguntar algo que somente o verdadeiro Potter saberia responder, a não ser que alguém tenha trazido um pouco de Veritasserum.

- Harry, qual a forma que o seu Patrono tomou? – perguntou Lupin.

- Um cervo - respondeu Harry com nervosismo.

- É ele sim, Moody - disse Lupin.

Bem consciente que todos o olhavam, Harry desceu as escadas e guardou a varinha no bolso de trás da calça.

- Não coloque a varinha aí, garoto - disse Moody. - E se ela explodir? Bons magos já perderam a bunda por isso, você sabia?

- Quem você conhece que perdeu a bunda? - perguntou uma mulher de cabelo vermelho bem interessada.

- Não importa, apenas não guarde a varinha no bolso de trás - grunhiu Moody. - Regras de segurança-da-varinha, ninguém se importa mais com elas.

Lupin foi ao encontro de Harry.

- Como você está? - perguntou ele, olhando-o de perto.

- Estou bem... - disse Harry.

Harry mal acreditava que aquilo era real. Quatro semanas sem nada e de repente uma batalhão de bruxos estava em sua casa.

- Vocês têm sorte de os Dursley não estarem em casa... - murmurou ele.

- Sorte? Ha, ha, ha! - disse a mulher de cabelos violeta. - Fui eu quem criou a isca para que eles saíssem. Mandei uma carta pelo correio dos trouxas dizendo que eles estavam inscritos numa competição nacional. E eles estão indo para a premiação agora mesmo...

Harry já estava imaginando a cara do tio Válter quando visse que não havia competição alguma.

- Nós vamos embora, não vamos? - perguntou ele. - Logo?

- Praticamente já - disse Lupin. - Só estamos aguardando estar tudo limpo.

- Aonde nós iremos? Para a Toca? - perguntou Harry esperançoso.

- Não. Nós vamos para um quartel-general. Fica um pouco longe... - disse Lupin, seguindo pela cozinha junto com todos os outros bruxos.

Olho-Tonto Moody estava sentado na mesa da cozinha com seu olho mágico rodando em todas as direções, olhando para os aparelhos da cozinha dos Dursley.

- Esse é Alastor Moody, Harry – disse Lupin, apontando Moody.

- É, eu sei. É estranho ser apresentado a alguém que você acha que conhece...

- E essa é Nymphadora...

- Não me chame Nymphadora, Remo - disse a bruxa chateada. - É Tonks.

- Nymphadora Tonks, que prefere ouvir apenas seu sobrenome.

- Você também preferiria se sua mãe lhe desse o nome de Nymphadora - resmungou Tonks.

- E esse é Kingsley Shacklebolt - e apontou para o mago negro. - Elphias Doge. Dédalo Diggle...

- Já nos encontramos antes - disse Diggle, tirando o chapéu.

- Emmeline Vance. Sturgis Podmode. E Hestia Jones.

Harry fazia reverências com a cabeça a cada nome que era dito.

- Um número surpreendente de pessoas se voluntariaram para vir buscar você - disse Lupin.

- É isso, quanto mais melhor - disse Moody. - Somos sua escolta, Potter.

- Estamos apenas aguardando o sinal que nos diga que é seguro sair - disse Lupin, olhando pela janela da cozinha. - Temos uns 15 minutos.

- São muito higiênicos, esses trouxas, não são? - disse Tonks enquanto

olhava pela cozinha com muito interesse. - Meu pai é trouxa e ele é

um tanto quanto porcalhão. Acho que isso varia, assim como acontece

entre dos bruxos, não é?

- É... é - disse Harry. - Olhe... - e virou pra Lupin. - O que está acontecendo?

Eu não tenho tido notícias de nada nem de ninguém. O que Vol...?

Vários bruxos fizeram aquele barulho chiado...

- Cale-se - disse Moody.

- O quê? - disse Harry.

- Não podemos discutir nada aqui, é muito arriscado - disse Moody, olhando com o olho normal para Harry. Seu olho mágico continuava olhando o teto. - Que droga! - disse ele pondo a mão no olho mágico. - Começou a emperrar depois que aquele idiota ficou usando ele - e tirou o olho para limpá-lo.

- Para onde estamos indo? Quem vem nos buscar? - perguntou Harry.

- Vassouras - disse Lupin. - É o único jeito. Você é muito jovem para aparatar, estão vigiando a Rede do Flu e é mais que nossa vida arriscar abrir um portal não autorizado.

- Remo disse que você é um ótimo voador - disse Kingsley Shacklebold.

- Ele é excelente! - disse Lupin. - É melhor você juntar suas coisas Harry, precisamos estar prontos quando recebermos o sinal.

- Eu vou ajudar você - disse Tonks.

Ela seguiu Harry de volta ao quarto olhando tudo com muito interesse.

- Lugar engraçado esse - disse ela. - É tão limpo. Quase sobrenatural.

Entraram no quanto de Harry. Quando ele acendeu a luz ela percebeu que o quarto era bem diferente do resto da casa. Confinado por quatro dias durante uma "maré baixa" Harry não se importava muito com a organização. Os livros estavam espalhados pelo chão, a gaiola de Edwiges estava imunda, o malão estava aberto, roupas de trouxa e bruxo misturadas...

Harry começou a juntar as coisas e Tonks disse, se olhando no espelho:

- Acho que violeta não é a minha cor. Você não acha que eu fico esquisita?

- Bem... - disse Harry, olhando de relance pra ela.

- Fico sim - ela fechou os olhos como se tivesse tentando lembrar de algo. Um segundo depois o cabelo estava cor-de-rosa.

- Como você fez isso? - perguntou Harry espantado.

- Eu sou uma bruxa-metamorfa - disse ela, olhando-se novamente no espelho. - Significa que eu posso mudar minha aparência quando desejar. Eu nasci assim. Tirei nota máxima no exame de Auror sem nem precisar estudar.

- Você é uma Auror? - disse Harry impressionado. Ser um apanhador de

bruxos das trevas era a única carreira que ele tinha considerado para quando

terminasse Hogwarts.

- Sou - disse ela com ar de orgulhosa. - Kingsley também é. Ele é um pouco mais qualificado que eu. Eu só passei há um ano.

- É possível aprender como ser um bruxo-metamorfo? - perguntou Harry, que a essa altura já havia esquecido de juntar suas coisas.

- Bem, você pode aprender da maneira mais difícil. Metamorfose é algo realmente raro, você nasce assim, não dá pra fazer. A maioria dos bruxos usam a varinha ou poções para mudar sua forma. Mas nós temos que ir, Harry, devíamos estar fazendo as malas - disse ela com um olhar gentil passando pela bagunça que estava no chão.

- Ah, claro! - disse Harry agarrando mais alguns livros.

- Não seja estúpido, é muito mais rápido se eu... Empacotar!!! - berrou Tonks,

agitando sua varinha num longo movimento.

Livros, roupas, telescópio, voou tudo pra dentro do malão.

- Não está muito arrumadinho... Minha mãe sempre reclamava... Bem... Pelo menos está tudo ai dentro - disse Tonks, fechando a tampa do malão. - Ah, podemos limpar isso aqui um pouquinho... – disse, apontando pra gaiola de Edwiges. – Scourgify - as penas e a sujeira sumiram. - Ah, agora está bem melhor. - Certo, já tem tudo? Caldeirão, Vassoura... NOSSA! Uma Firebolt!? – disse, arregalando os olhos pra vassoura na mão de Harry. - Puxa, e eu ainda estou montando uma Comet 2-60. Bem... Sua varinha está ai? Então vamos. Locomotor malão.

O malão de Harry flutuou alguns centímetros do chão e Tonks o conduziu escada abaixo, seguida por Harry, que vinha carregando a gaiola de Edwiges e a vassoura.

Lá na cozinha, Moody já havia recolocado o seu olho-mágico, que agora girava tão rápido que Harry se sentiu enjoado ao olhar pra ele. Lupin estava selando uma carta endereçada aos Dursley.

- Excelente - disse Lupin, olhando Tonks e Harry. - Temos cerca de um minuto. Vamos para o jardim. Harry, eu deixei uma carta dizendo a seus tios para não se preocuparem...

- Eles não irão. Acredite em mim - disse Harry.

- ... que você está a salvo...

- Isso vai decepcioná-los.

- ... e que você voltará no próximo verão.

- Isso é realmente necessário?

Lupin sorriu mas não respondeu.

- Vamos lá, garoto - disse Moody, tocando nas costas de Harry com a varinha. - Eu preciso Desilusionar você.

- Você o quê? - disse Harry nervoso.

- Desilusionar, é um encantamento - explicou Moody. - Lupin disse que você tem uma capa da invisibilidade, mas ela não vai servir quando estivermos voando, isso vai funcionar melhor. Aí vai...

Moody tocou com a varinha no topo da cabeça de Harry e ele sentiu uma sensação bem curiosa, como se um ovo tivesse sendo quebrado ali, estava descendo por todo o corpo.

- Muito bem, Olho-Tonto - disse Tonks.

Harry olhou para baixo e não viu seu corpo. Ele não estava invisível, simplesmente estava da mesma cor e textura do armário da cozinha que estava atrás de si. Ele parecia ter se tornado um homem-camaleão.

- Vamos lá - disse Moody, destrancando a porta dos fundos com sua varinha.

Todos seguiram para fora.

- Uma noite limpa - disse Moody. - Gostaria que houvesse um pouco mais de nuvens hoje. Certo, Harry, nós vamos voar numa formação fechada. Tonks vai na sua frente. Fique de olho nela. Lupin vai te dar cobertura por baixo e eu estarei logo atrás de você. O resto estará ao nosso redor. Não freie por nada nesse mundo, entendeu. Se um de nós morrer...

- O que isso quer dizer? - perguntou Harry apreensivo, mas Moody não respondeu.

- ...os outros continuam voando. Não parem. Se eles pegarem todos nós e você sobreviver, Harry, o restante da escolta vai lhe socorrer. Continue voando para o Leste e eles te encontrarão.

- Pare de ser tão pessimista, Olho-Tonto, ele vai pensar que não estamos levando isso a sério - disse Tonks enquanto pendurava as coisas de Harry em ganchos amarrados na sua vassoura.

- Eu só estou dizendo o plano. Nosso trabalho é entregá-lo em segurança ao quartel-general mesmo que morremos tentando.

- Ninguém vai morrer - disse Kingsley.

- Montem em suas vassouras. Esse é o primeiro sinal - disse Lupin, apontando para o céu.

Muito, muito longe deles, uma cascata de faíscas vermelhas estava brilhando próximo às estrelas. Harry sabia que eram feitas por uma varinha. Montou na vassoura, agarrou-se firme e imaginou que em um segundo estaria voando novamente.

- Segundo sinal, vamos! - disse Lupin ao ver mais faíscas, verdes desta vez, explodindo sobre eles.

Harry saltou do chão. O ar frio da noite passava por seus cabelos enquanto os gramados verdes da Rua dos Alfeneiros ficavam para trás junto com todas aquelas preocupações de representantes do Ministério quebrando sua varinha e tudo mais... Sentia como se seu coração fosse explodir de tanto prazer; estava voando novamente, era tudo o que ele mais sonhou neste verão... Estava indo para casa... Por alguns momentos gloriosos, todos os seus problemas pareciam ter se reduzido a nada, insignificantes diante do vasto e brilhante céu estrelado.

- Para a esquerda, para a esquerda, tem um trouxa olhando para cima - gritou Moody. Tonks desviou e Harry a seguiu, vendo seu malão balançar violentamente sob a vassoura dela. - Precisamos de mais altura. Subam mais 400 metros.

Os olhos de Harry ficaram úmidos enquanto eles subiam, agora não conseguia ver mais nada lá embaixo a não ser as pequenas luzes dos carros e dos postes. Duas daquelas pequenas luzes poderiam ser o carro dos Dursley... A qualquer momento eles estariam voltando da competição inexistente, cheios de raiva... E encontrariam a casa vazia. Harry deu uma gargalhada, mas sua voz se perdeu entre o ruído das capas tremulantes dos outros bruxos. Ele nunca tinha se sentido tão vivo este mês ou tão feliz assim.

- Seguindo para o sul - gritou Olho-Tonto. - Cidade à frente! Agora para sudeste, subam mais, tem algumas nuvens, não podemos nos perder de vista.

A noite estava ficando cada vez mais fria. Harry achou que teria sido bom vestir um casaco.

- Virando para sudoeste. Vamos evitar a auto-estrada - gritou Moody.

Harry imaginou que nenhuma viagem de carro ou viajando via Flu poderia ser tão gostoso. Agora os outros bruxos se aproximavam rodeando ele...

- Nós vamos voltar um pouco agora, só para ter certeza que não estamos sendo seguidos - gritou Moody.

- VOCÊ ESTÁ LOUCO, OLHO-Tonto? - gritou Tonks. Nós estamos congelando! Se ficarmos fazendo isso não chegaremos lá antes da semana que vem. Além do mais, estamos nos aproximando agora.

- Hora de começar a decida - disse Lupin. - Siga Tonks, Harry!

Harry seguiu Tonks num mergulho. Depois de algum tempo ele pôde ver luzes novamente. Queria muito chegar ao chão e achou que alguém teria que ajudá-lo a se desgrudar da vassoura, pois já estava congelando.

- Aqui estamos! - disse Tonks, e alguns segundos depois ela havia pousado.

Harry pousou logo atrás dela. Tonks já estava soltando o malão de Harry.

Ele olhou em volta. A frente das casas não eram muito amigáveis, algumas delas tinham janelas quebradas.

- Onde nós estamos? - perguntou Harry, mas Lupin retrucou dizendo:

- Explico em um minuto.

- Peguei - disse Moody e levantou um objeto que lembrava um isqueiro.

Apertou um botão e a luz do poste mais próximo sumiu. Ele continuou apertando o Apagueiro até que todas as luzes do quarteirão se apagassem, deixando visíveis

apenas as luzes das janelas através das cortinas e da lua.

- Peguei emprestado do Dumbledore - disse Moody, guardando-o no bolso. - Agora vamos.

Ele pegou Harry pelo braço e o conduziu pelo gramado, através da rua até chegar a um lugar pavimentado. Lupin e Tonks os seguiram carregando o malão e o resto da escolta, de varinha em punho, escoltando-os.

- Aqui - cochichou Moody e entregou um pedaço de pergaminho a Harry. Acendeu a varinha para iluminar e disse. - Leia rápido e memorize.

Harry olhou o papel. A escrita ela quase familiar.

"O Quartel-General da Ordem da Fênix pode ser encontrado no número 12, Grimmauld Place, Londres."

-- CAPÍTULO 4 --
GRIMMAULD PLACE, NÚMERO 12


- O que é a Ordem da...? - Harry ia perguntar.

- Não aqui, garoto - falou Moody. - Espere até termos entrado - ele tomou o pedaço de pergaminho da mão de Harry e pôs fogo nele com a ponta de sua varinha. Quando o papel virou cinzas, Harry olhou novamente ao redor e viu que estavam diante do número 11; olhou para a esquerda e viu o número 10, olhou para a direita, e viu o número 13.

- Mas onde...?

- Pense no que você acabou de ler - disse Lupin.

Harry pensou e demorou um pouco para alcançar a parte sobre o número 12 do Grimmauld Place, então uma porta surgiu do nada entre os números 11 e 13, seguido por paredes e janelas. Era como se uma casa tivesse inflado, empurrando as outras duas casas para o lado. Sendo que tudo continuava normal, parecia que os trouxas não haviam percebido nada.

- Vamos, apresse-se - disse Moody, empurrando Harry.

Harry subiu nos degraus da porta recém materializada. A maçaneta tinha a forma de uma serpente enrolada. Não havia fechadura nem caixa de correio.

Lupin puxou sua varinha e tocou a porta uma vez. Harry ouviu diversos sons metálicos, como se uma porção de trancas estivessem abrindo. E a porta se abriu.

- Entre rápido, Harry - sussurrou Lupin. - Mas não vá muito longe nem toque em nada.

Harry passou pela porta e entrou na escuridão total da sala. O lugar parecia uma construção abandonada. Ele olhou sobre seu ombro e viu os outros entrando atrás dele. Lupin e Tonks carregando seu malão e a gaiola de Edwiges.

Moody estava no degrau mais alto, libertando as bolinhas de luz de volta aos postes de iluminação. Moody entrou e fechou a porta. A sala ficou em escuridão total.

- Aqui...

Ele tocou novamente na cabeça de Harry com a varinha; Harry sentiu que algo quente estava descendo por suas costas e percebeu que o encantamento de Desilusionar tinha sido removido.

- Agora todos fiquem parados, enquanto eu providencio um pouco de luz - sussurrou Moody.

O silêncio dos outros deu a Harry uma sensação de que tinham entrado na casa de uma pessoa que acabara de morrer. Ele ouviu um ruído suave e então as lâmpadas a gás tornaram-se fogo vivo ao longo das paredes. Pôde ver um candelabro e uma mesa, ambos tinham forma de serpentes.

Ouviram-se passos apressados vindo de uma porta lateral. Era a Sra. Weasley, a mãe de Rony. Ela veio dar as boas vindas e Harry percebeu que ela já não estava bem mais magra que da última vez que a tinha visto.

- Oh, Harry, que bom ver você! - sussurrou ela, puxando-o para um abraço bem apertado, depois o segurou nos braços e o examinou dos pés à cabeça. - Você parece faminto, mas já está quase na hora do jantar! - ela se virou para os outros bruxos e disse em tom urgente. - Ele já chegou, a reunião já começou.

Os bruxos atrás de Harry fizeram barulhos interessantes de excitação e começaram a passar por ele seguindo em direção a porta pela qual a Sra. Weasley tinha entrado. Harry tentou segui-los mas a Sra. Weasley o segurou.

- Não, Harry. A reunião é para membros da Ordem. Rony e Hermione estão no andar de cima, você pode esperar com eles até que as reuniões tenham terminado, então nós jantaremos. E mantenha sua voz baixa neste salão.

- Por quê?

- Não quero que nada seja acordado.

- O que você...?

- Eu explico mais tarde. Tenho que me apressar, eu deveria estar na reunião. Vou apenas mostrar onde você vai dormir.

Apertando o dedo contra os lábios, ela o conduziu andando na ponta dos pés. Harry pôde observar coisas bem estranhas, entre elas, troféus nas paredes, como aqueles com cabeças de animais, mas estes tinham cabeças de elfos-domésticos. Harry ficou intrigado. Por que estariam numa casa que parecia a casa do mais terrível dos bruxos?

- Sra. Weasley, por que...?

- Rony e Hermione vão explicar tudo, querido, eu realmente tenho que ir. Ali, aquela porta à direita. Eu venho chamar quando tudo acabar.

E ela desceu apressada pelas escadas. Harry seguiu pelo corredor até a porta do quarto, que também tinha a maçaneta em forma de cobra, e abriu a porta.

Ele foi entrando no quarto e viu duas camas. Então houve um barulho e sua visão ficou completamente obscurecida por uma enorme quantidade de cabelos volumosos. Hermione tinha se jogado encima dele num abraço que quase o derrubou no chão, enquanto a minúscula coruja de Rony voava ao redor de suas cabeças.

- HARRY! Rony, ele está aqui, Harry está aqui! Não ouvimos você chegar! Ah, como você está? Tudo bem? Você ficou chateado conosco? Aposto que ficou, sei que suas cartas foram em vão, mas não podíamos te contar nada, Dumbledore nos vez jurar que não contaríamos, ah, eu tenho tanta coisa pra te contar, e você tem coisas pra nos dizer. Os dementadores! Quando nós ouvimos... E as advertências do Ministério. É tão ultrajante, eu não acreditei, eles não podem expulsar você, eles não podem, existe exceções no Decreto do Uso Indevido de Magia por Menores de Idade falando sobre situações de perigo de vida...

- Deixe-o respirar, Hermione - disse Rony, enquanto fechava a porta atrás de Harry. Ele parecia ter crescido vários centímetros durante esse mês.

Ainda eufórica, Hermione soltou Harry, mas antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa um som suave de algo branco surgiu de um canto escuro e pousou gentilmente nos ombros de Harry.

- Edwiges.

- Ela está impossível - disse Rony. - Nos bicou quase até a morte quando trouxe sua última carta, olhe só...

Ele mostrou a Harry o dedo indicador da mão direita, que estava com um corte profundo.

- Ah, estou vendo - disse Harry. - Desculpe-me por isso, mas eu queria respostas, você sabe...

- Nós queríamos dá-las a você - disse Rony. Hermione estava desesperada, ela ficava dizendo que você iria fazer algo estúpido se não recebesse notícias, mas Dumbledore nos fez...

- ...jurar não me dizer nada - disse Harry. - É, Hermione já me disse.

O brilho quente que tinha sido aceso nele ao ver seus dois melhores amigos se extinguiu quando uma coisa congelante atingiu o seu estômago. E repentinamente ele sentiu que seria melhor Rony e Hermione deixá-lo sozinho. Houve um silêncio profundo, Harry afastou Edwiges e não olhou para os outros.

- Ele achava que seria o melhor a fazer - disse Hermione. - Dumbledore, quero dizer...

- Sei... - disse Harry. Ele viu que as mãos dela também tinha, marcas das bicadas de Edwiges e percebeu que não sentia tanto remorso assim.

- Eu acho que ele pensou que você fosse ficar seguro com os trouxas - disse Rony.

- É? - disse Harry, erguendo as sobrancelhas. - Por acaso algum de vocês foi atacado por dementadores neste verão?

- Bem... Não... Mas é por isso que ele tem pessoas da Ordem da Fênix seguindo você o tempo inteiro...

Então Harry sentiu como se o chão tivesse sumido sob seus pés. Então todos sabiam que ele estava sendo vigiado, exceto ele.

- Mas não funcionou como planejado, não foi? - disse Harry, fazendo questão de manter a voz alta. - Eu tive que cuidar de mim mesmo no final de tudo, não tive?

- Ele estão tão furioso - disse Hermione. - Dumbledore. Ele o viu. Quando ele percebeu Mundungo tinha abandonado o posto. Ele ficou assustado.

- Eu fico feliz que ele tenha saído - disse Harry com frieza. - Se ele não tivesse saído eu não teria feito mágica e Dumbledore provavelmente me deixaria na Rua dos Alfeneiros o verão inteiro.

- Você... Você não ficou preocupado com o aviso do Ministério? - perguntou Hermione.

- Não - mentiu Harry. E se afastou dele olhando ao redor do quarto, mas isso não animou seu espírito. - Então por que Dumbledore quer me manter no escuro? Vocês se importam de perguntar a ele? - disse Harry e olhou bem a tempo ver uma troca de olhares entre dos amigos que praticamente já sabiam como ele reagiria.

- Nós dissemos a Dumbledore que queríamos te contar o que estava  acontecendo - disse Rony. - Mas ele está realmente ocupado agora, nós só o vimos duas vezes desde que viemos para cá e ele não tem muito tempo, ele apenas nos fez jurar não te contar coisas importantes quando escrevêssemos, ele disse que as corujas poderiam ser interceptadas.

- Ele ainda poderia me manter informado se quisesse - disse Harry. - Ou vocês estão me dizendo que ele não conhece outros meios de mandar mensagens sem ser pelas corujas.

- Eu também pensei nisso - disse Hermione. - Mas ele não queria que você soubesse de nada.

- Talvez ele ache que eu não sou alguém confiável - disse Harry,  observando suas expressões.

- Não seja bobo - disse Rony com um olhar desconcertante.

- Ou que eu não sei cuidar de mim mesmo.

- Claro que ele não pensa assim - disse Hermione ansiosa.

- Então por que eu tinha que ficar com os Dursley enquanto vocês dois estavam juntos em tudo que está se passando aqui? - disse Harry com sua voz ficando mais alta a cada palavra. - Como vocês dois têm permissão de saber tudo o que se passa aqui?

- Nós não temos - interrompeu Rony. - Mamãe não nos deixa chegar perto das reuniões, ela diz que somos muito jovens...

Mas antes que ele se desse conta, Harry estava gritando.

- ENTÃO VOCÊS NÃO ESTAVAM NAS REUNIÕES, GRANDE COISA! VOCÊS AINDA ESTAVAM AQUI, NÃO É? VOCÊS AINDA ESTAVAM JUNTOS! EU, ESTAVA PRESO COM OS DURSLEY POR UM MÊS INTEIRO. E EU AGUENTEI MAIS DO QUE VOCÊS DOIS JÁ PUDERAM AGUENTAR E DUMBLEDORE SABIA DISSO. QUEM SALVOU A PREDRA FILOSOFAL? QUEM CUIDOU DE RIDDLE? QUEM SALVOU A PELE DE VOCÊS DOS DOIS DEMENTADORES?

Todas as coisas que Harry tinha feito nesses últimos meses estavam  saindo dele: a frustração de ficar sem notícias, de estar sendo seguido, de estar sozinho sem os amigos...

- QUEM PASSOU PELOS DRAGÕES E ESFINGES E TODAS AS  OUTRAS COISAS PERIGOSAS NO ANO PASSADO? QUEM FOI QUE VIU "ELE" VOLTAR? QUEM FOI QUE ESCAPOU "DELE"? EU!

Rony estava lá de pé, com a boca semi-aberta, enquanto Hermione estava banhada por lágrimas.

- MAS POR QUE EU DEVERIA SABER O QUE ESTÁ ACONTECENDO? POR QUE ALGUÉM SE IMPORTARIA EM ME DIZER O QUE ESTÁ ACONTECENDO?

- Harry nós queríamos te contar, realmente queríamos... - disse Hermione.

- ACHO QUE NÃO QUERIAM TANTO ASSIM, OU VOCÊS TERIAM DADO UM JEITO DE ME MANDAR UMA CORUJA, MAS "DUMBLEDORE NOS FEZ PROMETER...".

- Bem, ele fez...

- EU PASSEI QUATRO SEMANAS PRESO NA RUA DOS ALFENEIROS, PEGANDO JORNAIS DO LIXO PRA TENTAR SABER O QUE ESTAVA ACONTECENDO...

- Nós queríamos...

- EU ACHO QUE VOCÊS ESTAVAM REALMENTE SE DIVERTINDO, NÃO ESTAVAM, AQUI, BEM JUNTINHOS...

- Honestamente, não...

- Harry, nós sentimos muito - disse Hermione desesperada, seus olhos brilhando de tantas lágrimas. - Você tem toda razão, Harry. Eu estaria furiosa se fosse você.

Harry a olhou ela, ainda respirando profundamente, e continuou observando o lugar.

- Afinal de contas, que lugar é esse? - perguntou olhando Rony e  Mione.

- É o quartel-general da Ordem do Fênix - disse os dois ao mesmo tempo. - E alguém se importa de me dizer o que é a Ordem do Fênix?

- É uma sociedade secreta - disse Mione. - Dumbledore está no comando, ele é o fundador. São as pessoas que lutaram contra Você-Sabe-Quem da última vez.

- Pouquíssimas pessoas...

- Nós vimos cerca de vinte delas - disse Rony -, mas nós achamos que há  mais.

- E então...? - disse Harry olhando de um para o outro.

- Er... Então o quê? - disse Rony.

- Voldemort! - disse Harry furioso, e Rony e Mione se assustaram. - O que está acontecendo?

- Nós dissemos a você. A Ordem não nos deixa entrar em suas reuniões - disse Mione nervosa. - Então não temos mais detalhes... Mas temos uma  idéia geral.

- Fred e Jorge inventaram Orelhas Extensíveis, vê... - disse Rony. - Elas são realmente úteis.

- Extensíveis?

- Orelhas, sim. Nós só tivemos que parar de usá-las porque mamãe as encontrou e ficou furiosa. Fred e Jorge tiveram que escondê-las para mamãe parar de chateá-los. Mas nós conseguimos fazer um bom uso delas antes que mamãe descobrisse o que estava havendo. Nós sabemos que alguns membros da Ordem estão seguindo Comensais da Morte conhecidos, mantendo o olho neles, você sabe...

- Alguns deles estão trabalhando recrutando mais pessoas para a Ordem - disse Mione.

- E alguns deles estão montando guarda ou algo assim - disse Rony. - Eles sempre falam sobre o serviço da guarda.

- E o que vocês andaram fazendo? Se não podem estar nas reuniões,  porque me disseram que estavam ocupados?

- Nós estávamos - disse Mione. - Estivemos descontaminando essa casa, ela está vazia há séculos e as coisas estavam feias por aqui. Tivemos que limpar a cozinha, a maioria dos quartos e tivemos que... AARGH!

Com dois estampidos, Fred e Jorge, os irmãos mais velhos de Rony, se materializaram no meio da sala.

- Parem de fazer isso! - disse Hermione gritando para os gêmeos.

- Olá, Harry - disse Jorge. - Nós pensamos ter ouvido sua doce voz.

- Você não deve engarrafar sua raiva daquele jeito, Harry - disse Fred  também caçoando. - Acho que tem umas pessoas há uns 50 quilômetros daqui que não conseguiram te ouvir.

- Então vocês dois passaram no teste de Aparatar? - perguntou Harry.

- Com louvor - disse Fred, que estava segurando o que parecia um longo pedaço de faixa recém colorida. - Só teria demorado uns 30 segundos a mais se vocês tivessem subido  pela escada - disse Rony.

- Tempo são galeões, pequeno irmão - disse Fred. - De qualquer forma, Harry, você estava interferindo com a recepção. Orelhas Extensíveis - disse ele ao ver a expressão no rosto de Harry, e levantou a faixa  que agora estava vibrando sobre o chão. - Estamos tentando ouvir o que está se passando lá em baixo.

- Tenha cuidado - disse Rony -, se mamãe ver uma dessas outra vez...

- Vale a pena correr o risco, essa é a maior reunião que já tivemos - disse Fred.

- Ah, olá, Harry! - disse a irmã mais nova de Rony, Gina, incrivelmente  animada. - Eu pensei ter ouvido sua voz. Ela se virou para Fred e Jorge e falou. - Não vai adiantar usar as Orelhas Extensíveis, ela colocou um Feitiço Imperturbável na porta da cozinha.

- Como você sabe? - perguntou Jorge, com um olhar desconfiado.

- Tonks me disse como saber - disse Gina. - Basta você jogar algo na  porta, se ela não fizer contato a porta está Imperturbável. Eu estava jogando  bombinhas nela do topo da escada e elas nem chegavam perto da porta, então não há como as Orelhas Extensíveis funcionarem.

- Droga. Eu realmente queria saber o que o velho Snape está tramando - disse Fred com ar deprimido.

- Snape! - disse Harry. - Ele está aqui?

- Sim - respondeu Jorge, fechando a porta com todo cuidado e sentando  em uma das camas; Fred e Gina o seguiram. - Fazendo o relatório. Segredo total.

- Traidor - disse Fred.

- Ele está do nosso lado agora - disse Mione, reprovando-o. Rony resmungou.

- Isso não o faz deixar de ser um traidor. O jeito que ele nos olha quando nos vê.

- Gui não gosta dele - disse Gina.

Harry não sabia se sua raiva já o tinha abatido, mas seu desejo por  informações superava a vontade de gritar. E ele ficou do lado oposto da cama.

- Gui está aqui? - perguntou ele. - Pensei que estivesse trabalhando no Egito?

- Ele preferiu pegar um trabalho burocrático para que pudesse vir pra  casa e trabalhar para a Ordem - disse Fred. - Ele diz que sente falta das  tumbas, mas tem suas compensações.

- O que você quer dizer?

- Você se lembra de Fleur Delacour? - disse Jorge. - Ela aceitou um  trabalho no Gringotes "parra melhorrar seu inglêss".

- E Gui até que tem dado a ela muitas aulas particulares... - disse Fred rindo.

- Carlinhos está na Ordem também - disse Jorge -, mas ele ainda está na Romênia. Dumbledore quer quantos magos estrangeiros puder, então Carlinhos está tentando fazer contatos nos dias de folga.

- Percy não poderia fazer isso? - perguntou Harry. Da última vez que ele ouviu falar, o terceiro irmão Weasley estava trabalhando no Departamento  Internacional da Magia como Cooperador do Ministério da Magia.

Com as palavras de Harry todos os Weasley e Hermione trocaram  olhares sombrios entre eles.

- Aconteça o que acontecer, nunca mencione Percy na frente de mamãe e  papai - Rony informou a Harry um tom tenso.

- Por que não?

- Porque cada vez que o nome de Percy é mencionado papai quebra o que estiver segurando e mamãe começa a chorar - disse Fred.

- Tem sido terrível - disse Gina com tristeza.

- O que aconteceu? - perguntou Harry.

- Percy e Papai tiveram uma discussão - disse Fred. - Eu nunca tinha visto papai discutir daquela forma com ninguém. Normalmente é mamãe quem grita.

- Aconteceu uma semana antes de virmos para cá. Percy chegou em casa e nos disse que tinha sido promovido - disse Rony.

- Você está falando sério? - disse Harry.

Como ele sabia muito bem, Percy tinha uma grande ambição, mas  aparentemente não tinha obtido muito sucesso em seu primeiro trabalho no Ministério da Magia. Percy cometeu o grande erro de não informar que seu chefe estava  sendo  controlado por Lord Voldemort (não que o Ministério iria acreditar nele - todos pensavam que Sr. Crouch tinha ficado louco).

- Pois é, todos nós ficamos surpresos - disse Jorge -, porque Percy  tinha se metido numa porção de problemas por causa do Crouch, havia um  inquérito e tudo mais. Eles disseram que Percy deveria ter denunciado Crouch  a um superior. Mas você conhece o Percy, Crouch o deixou no comando e ele não ia querer decepcioná-lo.

- Mas, como é que ele foi promovido?

- É exatamente isso que nós queríamos saber - disse Rony, que agora  estava conseguindo conversar normalmente, já que Harry tinha parado de gritar. - Ele veio pra casa realmente orgulhoso de si mesmo, ainda mais que o  normal, se é que você consegue imaginar isso; e disse a papai que tinham oferecido um cargo no escritório do Fudge. Uma coisa realmente boa para alguém que tinha acabado de sair de Hogwarts: Assistente Junior do Ministro. Ele esperava que papai fosse ficar impressionado, eu acho.

- Só que papai não ficou - disse Fred.

- Por que não? - perguntou Harry.

- Bem, aparentemente Fudge estava rondando pelo Ministério  verificando para que ninguém tivesse qualquer contato com Dumbledore - disse Jorge.

- O nome de Dumbledore é ruim para o Ministério nesses dias, sabe - disse Fred. - Eles acham que ele só vai causar problemas dizendo por aí que Você-Sabe-Quem está de volta.

- Papai disse que Fudge deixou bem claro que qualquer um que estivesse do lado de Dumbledore podia limpar a mesa - disse Jorge.

- O problema é, Fudge suspeitava de papai, ele sabia que papai tinha  amizade com Dumbledore, e estava sempre um pouco perturbado por causa da  obsessão do papai pelos trouxas.

- Mas o que aconteceu com o Percy? - perguntou Harry confuso.

- Estou chegando lá. Papai acha que Fudge só queria Percy em seu  escritório porque ele queria usá-lo para espionar a família, e Dumbledore.

Harry deixou escapar um assobio baixinho.

- Aposto que Percy adoraria isso - Rony deu uma risadinha sem graça.

- Ele ficou completamente alterado. Ele disse... Bem, ele disse uma porção de coisas ruins. Ele disse que estava sofrendo desde que chegou ao Ministério por causa da reputação do papai, que papai não tinha ambição e que por isso, você sabe, nós nunca tínhamos dinheiro, eu acho...

- O quê? - disse Harry sem acreditar.

- Eu sei - disse Rony. - E ficou ainda pior. Ele disse que papai era um idiota de correr atrás do Dumbledore, que Dumbledore só iria causar problemas, que papai iria se dar mal junto com ele, e que ele, Percy, sabia que sua lealdade pertencia ao Ministério. E se mamãe e papai fossem se tornar traidores do Ministério ele iria se certificar de que não mais faria parte de nossa família. Fez as malas na mesma noite e partiu. Ele está vivendo aqui em  Londres, agora.

Harry ficou desconcertado. Ele sempre tinha gostado de Percy como um  dos irmãos de Rony, mas nunca iria imaginar que ele diria coisas tão terríveis do Sr. Weasley.

- Mamãe ficou naquele estado - disse Rony. - Você sabe... Chorando e  coisa assim. Ela veio para Londres tentar falar com Percy mas ele bateu a porta na cara dela. Eu não sei o que ele iria fazer se encontrasse papai no  trabalho, ignorá-lo, eu acho.

- Mas Percy deveria saber que Voldemort está de volta - disse Harry. - Ele não é estúpido, ele precisa saber que seus pais não arriscariam tudo sem  provas.

- É, bem, seu nome também entrou na confusão - disse Rony lançando um  olhar furtivo a Harry. - Percy disse que a única evidência e... Eu não sei... Ele não achou que fosse suficiente.

- Percy leva o Profeta Diário muito a sério - disse Mione.

- Sobre o que você está falando?

- Você não estava recebendo o Profeta Diário? - perguntou Mione nervosa.

- Sim, eu estava.

- Você estava... É... Lendo ele por inteiro?

- Bem, não totalmente. Se eles fossem anunciar algo sobre Voldemort deveria ser notícia de capa, não é?

Todos se encolheram ao ouvir aquele nome. Hermione continuou.

- Você deveria lê-lo por inteiro para entender, mas eles... É...

Eles mencionaram você uma porção de vezes.

- Mas eu teria visto...

- Não se você estivesse lendo apenas a primeira página - disse

Hermione, balançando a cabeça. - Eu não estou falando de grandes artigos. Eles detonaram você, como se você fosse uma piada.

- O que você...?

- É asqueroso - disse Mione numa voz calmamente forçada. - Eles estão apenas publicando as coisas da Rita.

- Mas ela não está mais trabalhando para  eles, está?

- Claro que não, ela manteve sua promessa. Não que ela tivesse escolha - disse Mione satisfeita. - Mas ela deixou base para o que eles estão  tentando fazer agora.

- E o que seria? - disse Harry impaciente.

- Ok, você sabe que ela escreveu que você estava delirando e que estava dizendo que sua cicatriz estava doendo e tudo mais?

- Sei - disse Harry, que não esqueceria as histórias da Rita Skeeter  sobre ele.

- Bem, eles escreveram sobre você como se você estivesse nessa  ilusão, querendo ganhar atenção das pessoas para que pensassem que você é um tipo de herói trágico ou algo assim - disse Mione, muito rápido como se para Harry fosse humilhante ouvir essas coisas. - Eles continuaram fazendo esses comentários sobre você. Se uma história surgisse, eles diriam algo como "Um louco conto  do Harry Potter"... Você vê o que eles estavam fazendo? Eles queriam transformar você numa pessoa que ninguém acreditasse. Fudge está por trás disso, eu aposto. Ele quer que os bruxos pensem que você é um garoto estúpido que é uma piadinha, que diz histórias ridículas porque adora ser famoso e quer  continuar assim.

- Eu não pedi... Eu não queria... Que Voldemort matasse meus pais! Eu  fiquei famoso porque ele assassinou minha família mas não pode me matar! Quem quer ser famoso com isso? Eu preferia que nunca tivesse  acontecido...

- Nós sabemos, Harry - disse Gina.

- E claro, eles não disseram uma palavra sequer sobre os dementadores  que atacaram você - disse Hermione. - Alguém disse a eles para manter em sigilo. Essa certamente seria uma grande história, descontrole dos dementadores. Eles nem mesmo mencionaram que você transgrediu o Estatuto  Internacional de Magia. Nós achamos que eles iriam, isso iria cair bem na sua  imagem de garoto estúpido. Achamos que estão adiando até que você seja expulso, digo, se é que você vai ser expulso. Na verdade você não deveria ser, não se eles seguirem a risca às leis, nem mesmo haverá um caso contra  você.

Eles tentaram escutar novamente com as Orelhas Extensíveis mas Harry  não queria se meter nisso. Ele tentou encontrar outro assunto mas não  precisou pois o som de passos vinha subindo a escada.

- Ah, não!

Fred recolheu sua aparelhagem, houve outro estampido e ele e Jorge sumiram. Segundo depois a Sra. Weasley apareceu na porta do quarto.

- A reunião acabou, vocês podem vir jantar agora. Todos estão ansiosos para ver você, Harry. E quem foi que deixou todas aquelas bombinhas do lado de fora da cozinha?

- Bichento - disse Gina. - Ele adora brincar com elas.

- Ah - disse Sra. Weasley -, eu pensei que pudesse ter sido Kreacher, ele continua fazendo coisas desse tipo. Agora não esqueçam de manter suas vozes baixas lá no salão. Gina, suas mãos estão imundas. O que você andou fazendo? Vá lavá-las antes do jantar, por favor.

Gina seguiu sua mãe pelo corredor, deixando Harry a sós com Rony e Mione. Eles ficaram apreensivos pensando se Harry começaria a gritar novamente agora que todos haviam saído.

- Olhe... - murmurou Harry, mas Mione disse, interrompendo-o.

- Nós sabemos que você está zangado, Harry, nós realmente não te  culpamos mas você precisa entender, nós tentamos persuadir Dumbledore...

- É, eu sei - disse Harry.

E ele tentou encontrar um outro assunto, porque pensar  em Dumbledore o deixava novamente fervendo de raiva.

- Quem é Kreacher? - perguntou ele.

- O elfo-doméstico que vive aqui - disse Rony. - Louco. Nunca encontrei um como ele.

- Ele não é louco, Rony - retrucou Mione.

- A ambição de sua vida é ter sua cabeça cortada e colocada num troféu como o da mãe dele - disse Rony irritado. - Isso é normal, Hermione?

- Bem... Bem, se ele é um pouco estranho, não é culpa dele.

- A Hermione ainda não desistiu daquela idéia maluca de ajudar os  elfos-domésticos - disse Rony.

- Não é uma idéia maluca fazê-los ter auto-estima e lhes dar  direitos. E não sou apenas eu, Dumbledore diz que nós devemos ser legais com o Kreacher.

- Sei, sei - disse Rony. - Vamos lá que eu estou morrendo de fome.

Eles saíram pela porta mas antes que pudessem descer as escadas...

- Esperem - disse Rony, estendendo o braço para parar Harry e Mione. - Eles ainda estão no salão, talvez possamos ouvir alguma coisa.

Os três olharam cautelosamente para baixo. O salão abaixo estava cheio de bruxas e bruxos, incluindo toda a escolta de Harry. Eles estavam cochichando muito animados. Bem no centro do grupo Harry pode ver aquela figura sombria, seu mais detestado professor em Hogwarts, professor Snape. Ele estava muito interessado em saber o que Snape estava fazendo na  Ordem da Fênix...

E Harry viu um pedaço de faixa colorida descendo em frente a seus  olhos. Olhou para cima e viu Fred e Jorge no andar de cima, baixando  cautelosamente as Orelhas Extensíveis para ouvir as pessoas abaixo. Um momento depois, entretanto, todos eles começaram a se mover pela porta da frente e  ficaram fora de visão.

- Droga - Harry ouviu Fred sussurrar enquanto puxava de volta as  Orelhas Extensíveis.

Eles ouviram a porta abrir e depois fechar.

- Snape nunca come aqui - disse Rony para Harry. - Vamos lá.

- E não esqueça de manter sua voz baixa no salão, Harry - sussurrou  Mione.

Ao passarem pela galeria de cabeças de elfos-domésticos que estava na parede eles viram Lupin, a Sra Weasley e Tonks na porta da frente,  selando com mágica as muitas fechaduras agora que todos tinham partido.

- Nós vamos jantar na cozinha - sussurrou Sra. Weasley, juntando-se a  eles no pé da escada. - Harry, querido, se você for na ponta dos pés através do salão, fica atrás dessa porta aqui...

CRASH!

- Tonks! - berrou Sra. Weasley desesperada, virando para olhar atrás dela.

- Eu sinto muito! - falou Tonks, que estava deitada no chão. - Foi aquele guarda-chuva estúpido, é a segunda vez que ele me pega...

Mas o resto das palavras foi abafado por um terrível som, insuportável. E vieram gritos de uma pintura que estava atrás da cortina, como se fosse uma tortura, apesar de ser um quadro, parecia muito realista. Com esse barulho, diversas outras pinturas acordaram e começaram a gritar também, tão alto que machucava os tímpanos. Harry colocou as mãos sobre as orelhas para tentar diminuir um pouco o sofrimento. Lupin e a Sra Weasley correram e tentaram fechar as cortinas sobre a pintura de uma velha que estava gritando mas quando foram chegando perto ela gritou ainda mais alto e começou a xingá-los.

"Escória. Nojentos. Produtos da sujeira e imundice. Aberrações, sumam desse lugar. Quem permitiu que vocês entrassem na casa dos meus pais..."

Tonks se desculpou muitas e muitas vezes, a Sra. Weasley abandonou a tentativa de fechar as cortinas e correu pelo salão, batendo em todas as outras pinturas com sua varinha e um homem com um longo cabelo negro veio até a porta e encarou Harry.

- Cale a boca, sua bruxa velha e horrível, cale-se - gritou ele, cerrando as cortinas que a Sra. Weasley tinha abandonado.

O rosto da velha mulher empalideceu.

- Vocêêêêêêêêêê! - berrou ela, seus olhos saltaram ao ver o homem.

- Traidor, abominação, vergonha da minha carne!

- Eu disse, cale-se! - gritou o homem, e com um grande esforço, Lupin correu e fechou as cortinas novamente.

O grito da velha bruxa silenciou. Afastando os cabelos de cima de seus olhos, o padrinho de Harry, Sirius, voltou a olhar para ele.

- Olá Harry - disse ele. - Vejo que você se encontrou com minha mãe.

-- CAPÍTULO 5 --
A ORDEM DA FÊNIX


- Sua...?

- Minha querida e velha mãe, sim - disse Sirius. - Nós estamos tentando mantê-la calma há um mês mas achamos que ela colocou um Feitiço Fixador Permanente no fundo da pintura. Vamos descer as escadas, rápido, antes que todos eles acordem novamente.

- Mas o que um retrato da sua mãe está fazendo aqui? - perguntou Harry, confuso, enquanto passava pela porta do salão e deixava e seguia por um lance de escadas com estreitos degraus de pedra, os outros bem atrás deles.

- Ninguém disse a você? Essa era a casa dos meus pais. Mas eu sou o último da família Black que restou, então ela é minha agora. Eu a ofereci a Dumbledore para ser o Quartel-General, era a única coisa útil que eu estava apto a fazer.

Harry, que esperava uma recepção melhor, notou quão severa e amargurada a voz de Sirius soava. Ele seguiu seu padrinho até o fim dos degraus e através de uma porta que levava à cozinha do porão.

Ela era pouco menos sombria que o salão superior, uma sala cavernosa com grosseiras paredes de pedra. A maior parte da luz estava vindo de uma grande tocha na extremidade da sala. Uma nuvem de fumaça pairava no ar, através da qual as ameaçadoras formas de frigideiras e panelas de ferro se tornavam gigantescas. Muitas cadeiras foram amontoadas dentro da sala para a reunião e uma longa mesa de madeira ficava no meio delas, coberta por rolos de pergaminho, taças, garrafas de vinho vazias, e um amontoado do que aparentava ser trapos. O Sr. Weasley e seu filho mais velho, Gui, estavam conversando calmamente com suas cabeças juntas no fim da mesa.

A Sra. Weasley limpou a garganta. Seu marido, um magro, calvo, homem ruivo de óculos, olhou em volta e pôs-se de pé com um salto.

- Harry! - disse o Sr Weasley, apressando-se para cumprimentá-lo, e apertou sua mão com vigor. - Que bom ver você!

Por cima do seu ombro Harry viu Gui, que ainda usava seu longo cabelo amarrado como rabo-de-cavalo, enrolando apressadamente os pergaminhos que haviam sido deixados na mesa.

- Fez uma boa viagem, Harry? - perguntou Gui, tentando juntar doze rolos de pergaminho de uma vez. - Olho-Tonto não te fez vir por Greenland, então?

- Ele tentou - disse Tonks, caminhando para ajudar Gui e imediatamente derrubou uma vela no último pedaço de pergaminho. - Oh, não – desculpe...

- Aqui, querida -, disse a Sra. Weasley, parecendo irritada, e ela consertou o pergaminho com um toque de sua varinha. No brilho da luz causado pelo feitiço da Sra. Weasley Harry pôde ver de relance o que parecia ser a planta de uma construção.

A Sra. Weasley percebeu o olhar dele. Ela apanhou a planta e a colocou nos braços já sobrecarregados de Gui.

- Esse tipo de coisa deveria ser retirada logo após o fim das reuniões - improvisou ela, antes de se dirigir a um velho guarda-louça do qual começou a retirar pratos para o jantar.

Gui pegou sua varinha, murmurou, "Evanesce!" e os rolos de pergaminho desapareceram.

- Sente-se, Harry - disse Sirius. - Você se encontrou Mundungus, não foi?

A coisa que Harry pensou ser uma pilha de trapos deu um prolongado e gemido ronco, e então acordou, sacudindo-se.

- Alguém disse meu nome? - Mundungus murmurou, sonolento. - Eu concordo com Sirius... - ele levantou no ar uma mão muito suja como se tivesse votando, seus debilitados, avermelhados olhos desfocaram.

Gina sorriu.

- A reunião acabou, estrume - disse Sirius, enquanto todos sentavam ao redor dele na mesa. - Harry chegou.

- É? - disse Mundungus, olhando totalmente sofrível para Harry através do seu assanhado cabelo avermelhado. - Sim... Você está bem, Harry?

- Sim - disse Harry.

Mundungus tateou nervosamente seus bolsos, ainda encarando Harry, e puxou um cachimbo preto meio sujo. Ele o colocou na boca, acendeu a ponta com sua varinha e deu uma boa tragada. Grandes nuvens de uma fumaça esverdeada o envolveram em poucos segundos.

- Devo desculpas a você - rosnou uma voz do meio da fumaça fedorenta.

- Pela última vez, Mundungus - repreendeu a Sra. Weasley -, você poderia fazer o favor de não fumar essa coisa na cozinha, especialmente quando nós estivermos na hora de comer!

- Ah - disse Mundungus. - Certo. Desculpe, Molly.

A nuvem de fumaça desapareceu quando Mundungus guardou seu cachimbo de volta no bolso, mas um cheiro amargo de coisa queimada permaneceu no ar.

- E se você quiser jantar antes da meia-noite eu vou precisar de uma ajudinha – a Sra. Weasley disse para as pessoas na sala. - Não, você pode ficar onde está, Harry, querido, você teve uma longa viagem.

- O que eu posso fazer, Molly? - disse Tonks com entusiasmo, saltando adiante.

A Sra. Weasley hesitante, olhou apreensiva.

- Er... Não, está tudo bem, Tonks, você precisa descansar também, você já fez muito por hoje.

- Não, não, eu quero ajudar! - disse Tonks claramente, derrubando uma cadeira enquanto ela acelerava em direção ao guarda-louça, onde Gina estava pegando os talheres.

Logo uma porção de facas pesadas estavam cortando carne e vegetais em sua própria harmonia, supervisionadas pelo Sr. Weasley, enquanto a Sra. Weasley mexia um caldeirão pendurado acima do fogo e os outros pegavam pratos, mais taças e comida da despensa. Harry foi deixado na mesa com Sirius e Mundungus, que ainda estava vacilando em sua melancolia.

- Encontrou-se com a velha Figg ultimamente? - perguntou ele.

- Não - disse Harry, - Eu não encontrei ninguém.

- Veja, eu não havia te abandonado - disse Mundungus, inclinando-se para frente, com um tom argumentativo em sua voz -, mas eu tinha uma oportunidade de negócios...

Harry sentiu algo roçando contra seus joelhos e afastou-se, mas era apenas Bichento, o gato avermelhado de pernas curvas da Hermione, enroscou-se em tono das suas pernas, ronronando, então pulou no colo de Sirius e se acomodou lá. Sirius o acariciou distraidamente atrás das orelhas enquanto ele se virava, ainda com sua cara amargurada, para Harry.

- Teve um bom verão?

- Não, ele foi nojento - disse Harry.

Pela primeira vez, alguma coisa como um leve sorriso surgiu no rosto de Sirius.

- Não sei sobre o que você está se queixando a mim.

- O quê? - disse Harry, incrédulo.

- Pessoalmente, eu recebi de bom grado o ataque dos dementadores. Um excessivo esforço para minha alma que quebrou a monotonia gentilmente. Você acha que foi uma coisa ruim, no entanto você foi capaz de se safar e ao menos esticou suas pernas e entrou em algumas brigas... Eu estive preso aqui dentro por um mês inteiro.

- Por que isso? - perguntou Harry, franzindo a testa.

- Porque os bruxos do Ministério da Magia ainda estão atrás de mim e Voldemort vai saber tudo sobre eu me tornar um animago agora, Rabicho dirá a ele, então meu grande disfarce é inútil. Não há muito que eu possa fazer pela Ordem da Fênix... Ou então Dumbledore perceberia.

Havia alguma coisa como uma leve diminuição no tom de voz com o qual Sirius expressou o nome de Dumbledore que Harry percebeu, também não estava muito feliz com o diretor. Sentiu um repentino aumento na afeição que tinha por seu padrinho.

- 'Ao menos você sabe o que irá acontecer - disse ele estimulado.

- Ah claro - disse Sirius com sarcasmo. - Ouvindo os relatórios de Snape, tendo que aceitar todas as pistas falsas que ele está trazendo aqui arriscando a vida enquanto eu estou sentado tendo umas férias bem confortáveis... Me perguntando como anda a limpeza...

- Que limpeza? - perguntou Harry.

- Tentando fazer esse lugar se tornar uma habitação humana - disse Sirius, balançando a mão pela triste cozinha. - Ninguém viveu aqui nos últimos dez anos, não desde que minha querida mãe morreu, a menos que você conte com o velho elfo-doméstico dela, e ele é maluco, nunca limpou nada todo esse tempo.

- Sirius - disse Mundungus, que parecia não ter prestado nenhuma atenção à conversa, mas esteve examinando de perto uma taça vazia. - Isso é prata de verdade, amigo?

- Sim - disse Sirius, olhando para ele entediado. - A melhor prata forjada por duendes no século XV, ornamentado como brasão da família Black.

- Ela ficou ofuscada, de qualquer forma - murmurou Mundungus, polindo a taça com seu punho.

- Fred, Jorge, NÃO, APENAS CARREGEM - gritou a Sra Weasley.

Harry, Sirius e Mundungo olharam ao redor e, numa fração de segundos, eles mergulharam para longe da mesa. Fred e Jorge haviam enfeitiçado um grande caldeirão de cozido, uma jarra de cerveja-amanteigada e uma pesada tábua de madeira de cortar pão, com faca e tudo mais, para empurrá-los pelo ar em direção a eles. O cozido derramou por cima da mesa e parou um pouquinho antes de chegar até a outra ponta, deixando uma grande queimadura na superfície de madeira; a jarra de cerveja-amanteigada caiu e quebrou, derramando o conteúdo por todo o lugar; a faca de cortar pão escorregou da tábua e aterrissou, com a ponta para baixo, agitando-se de

forma ameaçadora, exatamente onde a mão de Sirius estava segundos atrás.

- PELO AMOR DE DEUS! - gritou a Sra Weasley. - NÃO HAVIA NECESSIDADE DISSO. JÁ CHEGA, ESTOU FARTA. SÓ PORQUE AGORA VOCÊS TÊM PERMISSÃO DE USAR MAGIA NÃO DEVEM FICAR CHICOTEANDO SUAS VARINHAS POR QUALQUER COISA.

- Nós só queríamos apressar um pouco as coisas! - disse Fred, apressando-se para puxar a faca de pão da mesa. - Desculpe, Sirius, amigo... Não tinha a intenção...

Harry e Sirius estavam ambos rindo; Mundungo, que tinha caído de sua cadeira, estava praguejando enquanto se levantava; Bichento deu um assobio furioso e correu para baixo do guarda-louças, de onde seus grandes olhos amarelos brilhavam no escuro.

- Meninos - disse o Sr. Weasley, erguendo novamente o cozido de volta ao centro da mesa -, sua mãe tem razão, vocês deveriam mostrar senso de responsabilidade agora que chegaram na idade...

- Nenhum dos seus irmãos causou esse tipo de problema! - enfureceu-se a Sra. Weasley enquanto ela batia uma nova jarra de cerveja-amanteigada na mesa, derramando quase tanto quando da outra vez. - Gui nunca sentiu necessidade de aparatar a cada passo! Carlinhos nunca enfeitiçou tudo o que encontrava! Percy...

Ela parou de repente, tomando fôlego e olhando assustada para seu marido, que ficou com olhar grosseiro repentinamente.

- Vamos comer - disse Gui rapidamente.

- Parece maravilhoso, Molly - disse Lupin, colocando o cozido no prato dela com uma concha e entregando por sobre a mesa.

Por alguns minutos houve um silêncio exceto pelo ruído dos pratos e talheres e o ranger das cadeiras quando eles se inclinavam sobre a comida. Então a Sra Weasley se virou para Sirius.

- Eu pretendia dizer a você, Sirius, tem algo preso naquela escrivaninha do quarto, que fica se debatendo e sacudindo. Claro, poderia ser apenas um diabrete, mas pensei em pedir a Alastor para dar uma olhada antes de deixá-lo sair.

- Como quiser - disse Sirius com indiferença.

- As cortinas de lá também estão cheias de doxies - complementou a Sra. Weasley. - Eu acho que deveríamos tentar cuidar delas amanhã.

- Eu resolvo isso - disse Sirius. Harry ouviu sarcasmo em sua voz, mas ele não tinha certeza se alguém mais o faria.

Em frente a Harry, Tonks estava divertindo Hermione e Gina transformando seu nariz a cada colherada. Revirando os olhos a cada vez com a mesma expressão penosa que fez quando estava no quarto de Harry, seu nariz aumentou e tomou forma como a de um bico que lembrava o de Snape, encolheu para o tamanho de um cogumelozinho e então fez germinar uma grande quantidade de pêlos da cada uma das narinas. Aparentemente esse era um divertimento comum na hora das refeições, porque Hermione e Gina logo estavam pedindo seus narizes favoritos.

- Faça aquele que parece um focinho de porco, Tonks.

Tonks fez sem gostar e Harry, olhando pra ela, teve a ligeira impressão que uma cópia feminina de Duda estava sorrindo para ele do outro lado da mesa.

O Sr. Weasley, Gui e Lupin estavam tento uma intensa discussão sobre duendes.

- Eles ainda não estão desistindo de nada - disse Gui. - Eu ainda não posso trabalhar acreditando eles ou não que ele voltou. Certamente, eles preferem não tomar parte nisso. Sabe, ficar longe.

- Eu tenho certeza que eles nunca se unirão a Você-Sabe-Quem - disse o Sr. Weasley, balançando a cabeça. - Eles sofreram perdas também; lembra-se daquela família duende assassinada da outra vez, em algum lugar perto de Nottingham?

- Eu acho que depende do que eles oferecerem - disse Lupin. - E eu não estou falando sobre ouro. Se eles oferecerem a liberdade que nós negamos a eles durante séculos ficarão tentados. Você ainda não teve sorte com Ragnok, Gui?

- Ele está se sentindo um pouco antibruxo no momento - disse Gui -, ainda não esqueceu a raiva dos negócios de Bagman, contou que o Ministério fez uma cobertura, aqueles duendes nunca conseguiram dinheiro dele, você sabe...

Uma tempestade de risos vindos do centro da mesa abafou o restante das palavras de Gui. Fred e Jorge, Rony e Mundungo estavam girando em torno de suas cadeiras.

- ... e então - engasgou-se Mundungo, com lágrimas rolando em seu rosto -, e então, se vocês acreditam, ele me disse, ele disse "aqui, Dung, onde você conseguiu todos aqueles sapos? Porque algum filho da mãe roubou todos os meus!". E eu disse, "roubaram todos os seus sapos, Will? E você vai querer mais alguns, é?". E se vocês acreditam em mim, jovens, o estúpido gárgula comprou todos os sapos que eu tinha roubado dele de volta e pagou pelos mesmos sapos que já eram dele...

- Eu acho que não precisamos ouvir mais nenhuma história sobre seus negócios, muito obrigado Mundungo - disse a Sra. Weasley com severidade, enquanto Rony caía da mesa, uivando de tanto rir.

- Imploro seu perdão, Molly - disse Mundungo imediatamente, secando os olhos e piscando para Harry. - Mas você sabe, Will os tinha roubado de Warty Harris, então eu não estava fazendo algo realmente errado.

- Eu não sei onde você aprendeu sobre certo e errado, Mundungo, mas acho que você perdeu algumas lições essenciais - disse a Sra Weasley com frieza.

Fred e Jorge enterraram suas caras nas taças de cerveja-amanteigada, Jorge estava soluçando. Por alguma razão, a Sra. Weasley jogou um olhar bem asqueroso em direção a Sirius antes de se levantar e trazer um grande pudim. Harry olhou seu padrinho.

- Molly não aprova o comportamento de Mundungo - disse Sirius em voz baixa.

- Como foi que ele entrou na Ordem? - disse Harry, com bastante cautela.

- Ele é útil - murmurou Sirius. Conhece todas as trapaças... Bem, ele deveria, já que ele mesmo se vê como uma. Mas ele também é muito leal a Dumbledore, que o ajudou a sair de um aperto certa vez. É bom ter alguém como Dung por perto, ele ouve coisas que nós deixamos passar. Mas Molly

acha que convidá-lo para o jantar é ir longe demais. Ela não o perdoou por ter falhado no trabalho quando deveria estar vigiando você.

Depois de três fatias de pudim o cinto na calça de Harry parecia bem apertado e desconfortável (mesmo essa calça já tendo sido de Duda). Quando soltou a colher havia uma calma geral na conversa: o Sr. Weasley estava escorado na sua cadeira, olhando satisfeito e relaxando; Tonks estava bocejando abertamente, seu nariz agora já estava de volta ao normal; Gina, que tinha atraído Bichento de baixo do guarda-louças, estava sentada no chão com as pernas cruzadas, jogando a rolha da garrafa de cerveja-amanteigada  para ele caçar.

- É quase hora de dormir, eu acho - disse a Sra. Weasley com um bocejo.

- Ainda não, Molly - disse Sirius, empurrando o prato vazio e tornando a olhar para Harry. - Você sabe, eu estou surpreso com você. Eu pensei que a primeira coisa que você iria me perguntar eram coisas sobre Voldemort.

A atmosfera na sala mudou com uma velocidade que Harry associou à chegada dos dementadores. Onde segundos antes estava sonolento e relaxado, agora estava alerta e até tenso. Um arrepio correu ao redor da mesa ao mencionar o nome de Voldemort. Lupin, que estava quase

tomando um gole de vinho, baixou sua taça vagarosamente, e olhou desconfiado.

- Eu perguntei! - disse Harry indignado. - Eu perguntei a Rony e Mione mas eles disseram que não podiam entrar na Ordem, então...

- E eles estão completamente certos - disse a Sra. Weasley. - Vocês são muito jovens.

Ela estava sentada em sua cadeira, os punhos fechados contra os braços da cadeira, sem nenhum sinal de cansaço ou sono.

- Desde quando alguém precisa estar na Ordem da Fênix para fazer perguntas? - perguntou Sirius. - Harry estava preso na casa dos trouxas o mês inteiro. Ele tem o direito de saber o que está acontecendo...

- Espere ai! - interrompeu Jorge.

- Por que é que Harry vai ter suas perguntas respondidas? - disse Fred furioso.

- Nós estivemos tentando arrancar alguma coisa de você o mês inteiro e você nem ao menos nos disse uma coisinha sequer - disse Jorge.

- "Vocês são muito jovens, vocês não estão na Ordem" - disse Fred, em um tom de voz bastante alto que soou estranhamento como o da sua mãe. – Harry também não tem idade!'

- Não é minha culpa não ter dito o que a Ordem está fazendo - disse Sirius com bastante calma -, foi decisão dos seus pais. Harry, no entanto...

- Não cabe a você decidir o que é bom para Harry! - disse Sra Weasley com severidade. A expressão de seu rosto que normalmente parecia tranqüila desta vez estava assustadora. - Você não esqueceu o que Dumbledore disse, eu suponho?

- Qual parte? - perguntou Sirius educadamente, mas com ar de um homem que se prepara para uma luta.

- A parte sobre não dizer a Harry mais do que ele precisa saber - disse a Sra. Weasley, colocando uma grande ênfase nas três últimas palavras.

As cabeças de Rony, Hermione, Fred e Jorge giravam de Sirius para a Sra. Weasley como se estivessem assistindo uma partida de tênis. Gina estava ajoelhada entre uma pilha de rolhas de garrafa, observando a conversa com sua boca levemente aberta. Os olhos de Lupin estavam fixos em Sirius.

- Eu não tenho intenção de dizer a ele mais do que ele precisa saber, Molly - disse Sirius. - Mas como ele é o único que viu que Voldemort voltou - novamente houve um tremor ao redor da mesa quando o nome foi pronunciado - ele tem mais direito do que a maioria...

- Ele não é um membro da Ordem da Fênix! - disse Sra. Weasley. - Ele tem apenas quinze anos e...

- E ele pode ser tratado como qualquer um que seja da Ordem - disse Sirius - e até melhor do que alguns.

- Ninguém está negando o que ele fez! - disse a Sra. Weasley, sua voz aumentando, suas mãos tremendo nos braços da cadeira. - Mas ele é apenas...

- Ele não é uma criança! - disse Sirius impaciente.

- Ele também não é um adulto! - disse a Sra. Weasley, com o rosto já corando. - Ele não é Tiago, Sirius!

- Eu sei perfeitamente quem ele é, obrigado, Molly - disse Sirius com frieza.

- Eu não tenho certeza disso! - disse a Sra. Weasley. - Às vezes, o jeito com que você fala sobre ele, é como se você pensasse que tem seu melhor amigo de volta!

- E o que há de errado nisso? - disse Harry.

- O que há de errado, Harry, é que você NÃO é o seu pai, mesmo que você possa parecer com ele! - disse a Sra Weasley, seus olhar ainda perfurando Sirius. - Você ainda está na escola e adultos responsáveis não deveriam esquecer disso!

- Você quer dizer que eu sou um padrinho irresponsável? - reclamou Sirius, com sua voz também aumentando.

- Penso que você sabe como agir imprudentemente, Sirius, e é por isso que Dumbledore continua relembrando que você deve ficar em casa e...

- Vamos deixar minhas instruções de Dumbledore fora disso, se você pode me fazer esse favor! - disse Sirius em voz alta.

- Arthur! - disse a Sra. Weasley contornando seu marido. - Arthur, me ajude!

O Sr. Weasley não falou nada. Ele tirou os óculos e os limpou cuidadosamente em suas vestes, sem olhar para sua esposa. Apenas quando ele os recolocou em seu nariz ele respondeu.

- Dumbledore sabe que as coisas estão mudando, Molly. Ele aceita que Harry precisa ser informado, até certo ponto, agora que vai ficar no Quartel-General.

- Sim, mas há uma diferença entre isso e convidá-lo a perguntar qualquer coisa que ele queira!

- Pessoalmente - disse Lupin calmamente, finalmente tirando a atenção que estava prestando a Sirius, e a Sra. Weasley se virou rapidamente para ele, esperançosa de que tivesse ganhado um aliado -, eu acho melhor que Harry saiba dos fatos. Não todos os fatos, Molly, mas de maneira geral. Por nós do que por uma versão distorcida... Dos outros.

Sua expressão era doce mas Harry teve a certeza que Lupin, pelo menos, sabia que as Orelhas Extensíveis tinham sobrevivido à limpeza da Sra. Weasley.

- Bem - disse Sra. Weasley, respirando fundo e olhando ao redor da mesa por um apoio que não veio. - Bem... Eu vejo que fui derrotada. Eu vou apenas dizer isso: Dumbledore deve ter tido suas razões para não querer que Harry soubesse demais e falando como alguém que tem os melhores interesses sobre o Harry em seu coração...

- Ele não é seu filho - disse Sirius calmamente.

- Mas é como se fosse - disse a Sra. Weasley ferozmente. - Quem mais ele tem?

- Ele tem a mim!

- Sim - disse Sra. Weasley, com seus lábios enrolando -, o fato é, foi bem difícil pra você cuidar dele enquanto estava trancado em Azkaban, não foi?

Sirius começou a se levantar da cadeira.

- Molly, você não é a única pessoa nessa mesa que se importa com Harry - disse Lupin com severidade. - Sirius, sente-se.

O lábio inferior da Sra. Weasley estava tremendo. Sirius afundou novamente em sua cadeira, com o rosto pálido.

- Eu acho que Harry deve dar uma opinião sobre isso - continuou Lupin. - Ele já é grande o suficiente para decidir por ele mesmo.

- Eu quero saber o que está acontecendo - disse Harry imediatamente.

Ele não olhou para a Sra. Weasley. Estava comovido com o que ela disse sobre ser como um filho  mas ele também estava com suas mimas. Sirius estava certo, ele não era uma criança.

- Muito bem - disse a Sra. Weasley, sua voz explodindo. – Gina, Rony, Hermione, Fred, Jorge, eu quero vocês fora dessa cozinha, agora.

Houve um ruído instantaneamente.

- Nós temos idade para isso! - gritaram Fred e Jorge juntos.

- Se Harry pode por que eu não posso? - berrou Rony.

- Mamãe, eu quero ouvir! - choramingou Gina.

- NÃO! - gritou a Sra. Weasley, ficando de pé com os olhos faiscando. - Eu proíbo definiti...

- Molly, você não pode repreender Fred e Jorge - disse o Sr Weasley com muito cansaço. - Eles são maiores de idade apesar de ainda estarem na escola. Mas  eles são legalmente adultos agora.

A Sra Weasley agora tinha o rosto vermelho.

- Eu... Ah, então está bem, Fred e Jorge podem ficar, mas Rony...

- Harry vai contar tudo a mim e a Hermione de qualquer forma! - disse Rony irradiante. - Você vai, não vai?' - complementou incerto, olhando Harry.

Por um segundo Harry pensou em dizer a Rony que não o diria uma palavra sequer, que ele poderia experimentar ficar no escuro e ver como se sentiria. Mas esse impulso asqueroso sumiu quando eles se entreolharam.

- Claro que eu vou - disse Harry.

Rony e Hermione sorriram.

- Muito bem! - gritou Sra. Weasley. - Ótimo! Gina, PRA CAMA!

Gina não ficou quieta. Eles podiam ouvir sua fúria e irritação por sua mãe por toda a escadaria até que os gritos da Sra. Black se uniram ao barulho. Lupin correu até o retrato para restaurar a calma e só depois que ele retornou, fechando a porta da cozinha e tomando seu lugar na mesa

outra vez, foi que Sirius falou.

- Ok, Harry... O que você quer saber?

Harry respirou fundo e fez a pergunta que mais o obcecou durante todo o mês.

- Onde está Voldemort? - disse ele, ignorando os calafrios e recuos que surgiram com o nome. - O que ele está fazendo?  Eu estive tentando ouvir o noticiário dos trouxas e não há nada acontecendo que pareça coisa dele ainda, nenhuma morte esquisita ou algo assim.

- É porque ainda não houve nenhuma morte esquisita ainda - disse Sirius -, não que nós saibamos, de alguma forma... Nós até que sabemos bastante.

- Mas do que ele pensa que nós sabemos - disse Lupin.

- Como foi que ele parou de matar pessoas? - perguntou Harry. Ele sabia que Voldemort tinha matado mas de uma vez no último ano.

- Porque ele não quer chamar atenção - disse Sirius. - Seria perigoso para ele. Seu retorno não foi da forma que ele esperava, você entende. Ele se atrapalhou.

- Ou de preferência, você o atrapalhou - disse Lupin, com um sorriso satisfeito.

- Como? - perguntou Harry perplexo.

- Você não deveria ter sobrevivido! - disse Sirius. Ninguém além dos seus Comensais da Morte deveria saber que ele tinha voltado. Mas você sobreviveu para testemunhar.

- E a última pessoa que ele queria que fosse alertado sobre seu retorno no momento que ele voltasse era Dumbledore - disse Lupin. - E você quis se certificar que Dumbledore soubesse imediatamente.

- Como isso ajudou? - perguntou Harry.

- Você está me gozando? - disse Gui incrédulo. - Dumbledore é o único de quem Você-Sabe-Quem tem medo!

- Graças a você, Dumbledore pode convocar a Ordem da Fênix cerca de uma hora após o retorno de Voldemort - disse Sirius.

- Então o que a Ordem está fazendo? - disse Harry, olhando em volta para todos eles.

- Trabalhando duro para nos certificarmos que Voldemort não possa levar adiante seus planos - disse Sirius.

- Como vocês sabem quais são os planos dele? - perguntou Harry rapidamente.

- Dumbledore teve uma idéia bem esperta - disse Lupin - e as idéias de Dumbledore normalmente são bem precisas.

- Então o que fez Dumbledore avaliar o plano dele?

- Bem, primeiramente ele quer reconstruir seu exército - disse Sirius. – Nos dias antigos ele tinha um imenso número sob seu comando: bruxas e bruxos que ameaçava ou enfeitiçava para seguí-lo, seus fieis Comensais da Morte, uma grande variedade de criaturas da escuridão. Você ouviu ele

planejando recrutar os gigantes; bem, eles são apenas um dos grupos que está procurando. Ele certamente não tentará invadir o Ministério da Magia com apenas uma dúzia de Comensais da Morte.

- Então vocês estão tentando impedi-lo de conseguir mais seguidores?

- Estamos fazendo o melhor possível - disse Lupin.

- Como?

- Bem, a principal coisa é tentar convencer a maior quantidade de pessoas possível de que Você-Sabe-Quem realmente retornou, para deixá-los alerta - disse Gui. - Mas está se tornando difícil, entretanto.

- Por quê?

- Por causa da atitude do Ministério - disse Tonks. - Você viu Cornélio Fudge depois que Você-Sabe-Quem retornou, Harry. Bem, ele não mudou sua posição de todo. Ele absolutamente se recusa a acreditar que aconteceu.

- Mas por quê? - disse Harry desesperado. – Por que ele está sendo tão estúpido? Se Dumbledore...

- Ah, bem, você apontou o problema - disse p Sr. Weasley com um sorriso amargo.- Dumbledore.

- Fudge está assustado com ele, você entende - disse Tonks com tristeza.

- Assustado com Dumbledore? - disse Harry com incredulidade.

- Assustado com o que ele está disposto a fazer - disse o Sr. Weasley. – Fudge pensa que Dumbledore está conspirando para derrubá-lo. Ele acha que Dumbledore quer ser o Ministro da Magia.

- Mas Dumbledore não quer...

- Claro que não quer - disse o Sr. Weasley. - Ele nunca quis trabalhar no  Ministério, mesmo que diversas pessoas quisessem que ele aceitasse quando Millicent Bagnold se aposentou. Fudge veio para o cargo ao invés dele, mas ele nunca esqueceu o quanto apoio da população Dumbledore tinha, mesmo nunca tendo exercido o cargo.

- No fundo, Fudge sabe que Dumbledore é muito mais esperto do que ele é, um bruxo muito mais poderoso, e nos dias atuais ele sempre esteve pedindo ajuda e conselhos a Dumbledore - disse Lupin. - Mas parece que ele começou a gostar do poder e que está muito mais confiante. Ele adora ser o Ministro da Magia e está conseguindo convencer a ele mesmo que é o mais esperto e Dumbledore simplesmente criando problemas para seu propósito.

- Como ele pode pensar isso? - disse Harry furioso. - Como ele pode pensar que Dumbledore iria criar tudo isso... Que eu criei tudo isso?

- Porque aceitando que Voldemort está de volta significaria problema, como se o Ministério não teve a competência durante quase quatorze anos - disse Sirius amargamente. - Fudge apenas não consegue encarar isso. É muito mais confortável convencer ele mesmo de que Dumbledore está

mentindo para desestabilizá-lo.

- Veja o problema - disse Lupin. - Enquanto o Ministério insiste que não há nada a temer sobre Voldemort é difícil convencer as pessoas que ele está de volta, especialmente quando elas realmente não querem acreditar nisso em primeiro lugar. O que mais, o Ministério está apoiando fortemente o Profeta Diário a não publicar qualquer coisa do que eles estão chamando de rumores publicitários de Dumbledore, então a maior parte da comunidade bruxa está completamente inconsciente de que algo aconteceu, o que os faz alvos fáceis para os Comensais da Morte se eles estiverem usando a Maldição Imperius.

- Mas vocês estão dizendo as pessoas, não estão? - disse Harry, olhando para o Sr Weasley, Sirius, Gui, Mundungo, Lupin e Tonks. - Vocês estão fazendo as pessoas saberem que ele voltou?

Todos sorriram sem graça.

- Bem, como todos acham que eu sou um assassino maluco e como o  Ministério colocou uma recompensa de dez mil galeões como prêmio por minha cabeça eu dificilmente posso passear pela rua e distribuir folhetos, posso? - disse Sirius friamente.

- E eu não sou um convidado para jantar muito popular entre a maioria da comunidade - disse Lupin. - É um perigo ocupacional ser um lobisomem.

- Tonks e Arthur perderiam seus empregos no Ministério se começassem a falar sobre isso - disse Sirius -, e é muito importante para nós ter espiões dentro do Ministério, porque você pode apostar que Voldemort também terá.

- Nós temos conseguido convencer algumas pessoas, apesar de tudo – disse o Sr. Weasley. - Tonks, por exemplo. Ela era muito jovem para estar na Ordem da Fênix da última vez e ter Aurores do nosso lado é uma grande vantagem. Kingsley Shacklebolt está sendo um verdadeiro achado, também; ele está encarregado de caçar Sirius, então está dando ao Ministério informações

de que Sirius está no Tibet.

- Mas se nenhum de vocês está divulgando que Voldemort está de volta... - Harry começou a dizer.

- Quem disse que nenhum de nós está divulgando? - disse Sirius.  – Por que você acha que Dumbledore está com tantos problemas?

- O que você quer dizer? - perguntou Harry.

- Eles estão tentando desonrá-lo - disse Lupin. - Você não viu o Profeta Diário da semana passada? Publicaram que ele tinha sido afastado da Presidência da Confederação Internacional de Bruxos porque estava ficando velho e perdendo a compreensão, mas isso não é verdade; ele foi

afastado pelo Ministério após ter feito o anúncio do retorno de Voldemort. Eles o rebaixaram do cargo de Bruxo Chefe em Wizengamont, que é a Corte Superma dos Bruxos, e estavam falando em retirar sua Ordem de Merlin, Primeira Classe, também.

- Mas Dumbledore diz que não se importa com o que eles estão fazendo desde que não tirem dele as figurinhas dos sapos de chocolate – disse Gui com um sorriso forçado.

- Isso não é engraçado - disse o Sr. Weasley com severidade. - Se ele continuar sendo desprezado pelo Ministério desse jeito pode acabar em Azkaban, e a última coisa que nós queremos é ter Dumbledore trancafiado. Enquanto Você-Sabe-Quem souber que Dumbledore está aqui fora e atento ao que está tramando ele vai ter que ir com cautela. Se Dumbledore estiver fora do caminho... Bem, Você-Sabe-Quem vai ter passe livre.

- Mas se Voldemort está tentando recrutar mais Comensais da Morte é  obrigatório avisar que ele voltou, não é? - perguntou Harry desesperado.

- Voldemort não passeia pelas casas das pessoas e bate nas suas portas, Harry - disse Sirius. - Ele engana,  azara e chantageia elas. Ele já tem prática de como agir em segredo. Em todo caso, reunir seguidores é apenas uma das coisas em que ele está interessado. Ele tem outros planos também, planos que pode pôr em prática bem rápido sem dúvida, e ele está se concentrando nesses no momento.

- O que mais ele quer além de seguidores? - perguntou Harry rapidamente.

Ele pensou ter visto Sirius e Lupin trocar o mais rápido dos olhares antes que Sirius respondesse.

- Coisas que ele só pode conseguir sendo discreto.

Quando Harry continuou a olhar surpreso, Sirius disse.

- Como uma arma. Alguma coisa que ele não tinha da última vez.

- Quando ele era poderoso antes?

- Sim.

- Que tipo de arma? - disse Harry. - Algo pior que a Avada Kedavra...?

- Já chega!

A Sra Weasley falou das sobras atrás da porta. Harry não tinha notado que ela estava de volta. Seus braços estavam cruzados e ela olhava furiosa.

- Eu quero vocês na cama, agora. Todos vocês - disse ela olhando para Fred, Jorge, Rony e Hermione.

- Você não pode mandar na gente... - começou Fred.

- Olhe para mim - resmungou a Sra Weasley. Ela estava tremendo levemente enquanto olhava Sirius. - Você deu a Harry toda a informação. Qualquer coisa a mais e você poderá também colocá-lo na Ordem imediatamente.

- Por que não? - disse Harry rapidamente. - Eu vou me unir, eu quero me unir, eu quero lutar.

- Não.

E não era a Sra Weasley que estava falando dessa vez, mas sim Lupin.

- A Ordem é composta apenas por bruxos maiores de idade - disse ele. - Bruxos que já terminaram a escola - disse quando Fred e Jorge abriram suas bocas. - Há perigos envolvidos os quais você não faz a mínima idéia, nenhum de vocês... Eu acho que Molly está certa, Sirius. Nós já falamos demais.

Sirius meio que encolheu os ombros mas não argumentou. A Sra Weasley chamou imperiosamente seus filhos e Hermione. Um por um eles levantaram e Harry, reconhecendo a derrota, fez o mesmo.

6/10

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