terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Harry Potter e a Ordem da Fênix 36/38 Final


-- CAPÍTULO 36 --
O ÚNICO QUE ELE JÁ TEMEU


- Ele não se foi! - gritou Harry.

Ele não acreditava; não podia acreditar; ainda lutava com Lupin com todas as forças que tinha. Lupin não entendia; as pessoas estavam escondidas atrás da cortina; Harry as tinha escutado sussurrar na primeira vez que entrou na sala. Sirius estava escondido, só isso...

- SIRIUS! - ele exclamou. - SIRIUS!

- Ele não pode voltar, Harry - disse Lupin, sua voz falhando enquanto tentava conter Harry. - Ele não pode voltar porque ele está m...

- ELE NÃO ESTÁ MORTO! - rugiu Harry. - SIRIUS!

Havia movimento à volta deles, flashes de mais feitiços. Para Harry não passavam de barulho sem sentido, as maldições desviadas voando à sua frente não importavam, nada importava, exceto que Lupin devia parar de fingir que Sirius - que estava a alguns metros dele, atrás da cortina - não ia aparecer a qualquer momento, chacoalhando seus cabelos negros e louco para voltar à batalha.

Lupin arrastou Harry para longe do tablado. Harry, ainda olhando para a passagem em arco, estava brabo com Sirius por tê-lo deixado esperando...

Mas parte dele percebia, embora lutasse para se libertar de Lupin, que Sirius nunca o tinha deixado esperando antes... Sirius arriscaria tudo, sempre, para ver Harry, para ajudá-lo... Se Sirius não estava aparecendo sob a passagem, mesmo com Harry gritando por ele como se sua vida dependesse disso, a única explicação possível era a de que ele não ia voltar... Era que ele estava realmente...

Dumbledore tinha agrupado a maior parte dos Comensais da Morte no centro da sala, aparentemente imobilizados por cordas invisíveis; Olho-Tonto Moody tinha rastejado em direção a Tonks, que estava caída, e tentava acordá-la; atrás do tablado ainda havia flashes de luz, gemidos e gritos - Kingsley tinha corrido para continuar o duelo de Sirius com Bellatrix.

- Harry?

Neville tinha escorregado pelos bancos, um por um, até o lugar onde Harry estava. Harry já não lutava para se desvencilhar de Lupin, que mantinha seu braço seguro, só por precaução.

- Harry... Eu sinto buito... - disse Neville. Suas pernas ainda estavam dançando sem controle. - Aquele hobem, o Sirius Black, era um abigo seu?

Harry concordou.

- Aqui - disse Lupin calmamente e, apontando sua varinha para as pernas de Neville, disse - Finite - o feitiço foi quebrado: as pernas de Neville ficaram caídas no chão e permaneceram quietas. O rosto de Lupin estava pálido. - Vamos, vamos encontrar os outros. Onde estão todos, Neville?

Lupin virou às costas para a passagem em arco enquanto falava. Ele soava como se cada palavra estivesse lhe causando dor.

- Eles esdão lá atrás - disse Neville. - Um cérebro adacou Rony bas eu acho que ele esdá bem, e Herbione esdá inconsciente, bas nós podemos sendir sua bulsação...

Ouviu-se um barulho alto e um grito veio de trás do tablado. Harry viu Kingsley cair no chão, gritando de dor: Bellatrix Lestrange tentava fugir enquanto Dumbledore se virava com rapidez. Ele jogou um feitiço nela mas ela se desviou; estava a meio caminho da saída agora...

- Harry, não! - gritou Lupin mas Harry já tinha escapado das suas mãos negligentes.

- ELA MATOU SIRIUS! - exclamou Harry. - ELA O MATOU... E EU VOU MATÁ-LA!

E ele saiu correndo, tropeçando nos bancos de pedra; pessoas gritavam atrás dele mas não se importava. A bainha do manto de Bellatrix sumiu de vista logo à frente e eles passaram à sala em que os cérebros nadavam...

Ela mirou uma maldição por sobre o ombro. O tanque levantou no ar e entornou. Harry se inundou na poção malcheirosa que saiu dele: os cérebros escorregaram e começaram a girar seus longos e coloridos tentáculos mas Harry gritou "Vingardium Leviosa!" e eles voaram sobre sua cabeça. Deslizando, correu em direção à porta; pulou sobre Luna, que estava gemendo no chão, passou por Gina, que disse, "Harry... O quê...?", passou por Rony, que sorriu com delicadeza, e Hermione, que ainda estava inconsciente. Abriu a porta com violência, indo para o hall negro circular e viu Bellatrix desaparecer por uma porta do outro lado da sala; além dela estava o corredor que levava de volta aos elevadores.

Correu mas ela bateu a porta atrás de si e as paredes começaram a rodar. Mais uma vez ele foi cercado por fechos de luz azul vindos do candelabro.

- Onde está a saída? - gritou desesperado quando as paredes pararam. - Onde está a saída?

A sala parecia estar esperando que perguntasse. Uma porta logo atrás dele abriu de repente e o corredor para os elevadores apareceu, iluminado por tochas e vazio. Correu...

Podia ouvir o barulho de um elevador logo à frente; correu a toda a velocidade pela passagem, voou pela esquina e bateu o punho no botão para chamar um segundo elevador. Fez ruídos cada vez mais próximos; as grades se abriram e Harry pulou para dentro, agora martelando o botão que dizia "Átrio". As portas se fecharam deslizando e ele começou a subir...

Forçou sua saída do elevador antes que as grades estivessem completamente abertas e olhou em volta. Bellatrix estava quase no elevador do telefone, do outro lado, mas ela olhou para trás quando ele veio correndo em sua direção e mirou outro feitiço nele. Ele desviou para trás da Fonte dos Irmãos Mágicos: o feitiço zumbiu ao seu lado e acertou os portões dourados do outro lado do Átrio, fazendo-os soar como um sino. Ele ouviu passos. Ela tinha parado de correr. Ele agachou atrás das estátuas, escutando.

- Apareça, apareça, pequeno Harry! - chamou ela, imitando a voz de um bebê, que ecoou no assoalho polido de madeira. - Por que você veio atrás de mim, afinal? Eu pensei que você estivesse aqui para vingar o meu querido primo!

- E estou! - gritou Harry e um coral de Harry's fantasmagóricos pareceu dizer "E estou! E estou! E estou!" por toda a sala.

- Aaaaaah... Você o amava, bebezinho Potter?

O ódio cresceu em Harry como nunca antes; voou de trás da fonte e exclamou "Crucio!".

Bellatrix gritou: o feitiço a tinha feito cair no chão mas ela não se retorceu nem berrou de dor como Neville - ela já estava se levantando, sem ar - e não ria mais. Harry se desviou para trás da fonte dourada novamente. O contra-ataque dela acertou a cabeça do simpático bruxo, que explodiu e aterrissou a metros de distância, cavando longos arranhões no chão de madeira.

- Nunca usou uma Maldição Imperdoável antes, não é, garoto? - ela gritou. Não estava mais usando a voz de bebê. - Você precisa querer usá-las, Potter! Você precisa realmente querer causar a dor, aproveitá-la, raiva moralista não vai me machucar por muito tempo, eu mostrarei a você como se faz, certo? Eu lhe darei uma lição...

Harry estava rodeando a fonte até o outro lado quando ela gritou "Crucio!" e ele foi forçado a abaixar de novo quando o braço do centauro, segurando um arco, foi arrancado e caiu com um estrondo no chão, próximo da cabeça dourada do bruxo.

- Potter, você não pode me vencer! - ela gritou.

Ele podia ouvi-la se mover para a direita, tentando ter uma boa visão dele. Rodeou a fonte para longe dela, agachando atrás das pernas do centauro, sua cabeça do lado da cabeça do elfo doméstico.

- Eu fui e sou a serva mais leal do Senhor das Trevas. Eu aprendi a Arte das Trevas diretamente dele e eu sei feitiços tão poderosos com os quais você, menininho patético, nunca poderá competir...

- Estupefaça! - gritou Harry. Tinha dado a volta até o local em que estava o duende, indo até o bruxo sem cabeça, e mirou nas costas dela, enquanto espiava atrás da fonte. Ela reagiu tão rápido que ele mal teve tempo de se abaixar.

- Protego!

Num jato de luz vermelha, seu próprio feitiço de atordoamento, refletiu e voltou em sua direção. Harry tropeçou para trás e uma das orelhas do duende saiu voando pela sala.

- Potter, eu vou lhe dar uma chance! - gritou Bellatrix. - Me dê a profecia, role-a na minha direção agora e eu talvez poupe a sua vida!

- Bem, você vai ter que me matar porque ela não existe mais! - exclamou Harry e, enquanto gritava uma dor queimou em sua testa; sua cicatriz estava pegando fogo novamente e ele sentiu uma onda de ódio que estava completamente desconectada de seu próprio ódio. - E ele sabe! - disse Harry, dando uma risada louca parecida com a de Bellatrix. - Seu velho amigo Voldemort sabe que ela não existe mais! Ele não vai ficar feliz com você, não é?

- O quê? O que você quer dizer? - gritou ela e pela primeira vez havia medo em sua voz.

- A profecia quebrou quando eu estava tentando puxar Neville nos degraus! O que você acha que Voldemort vai dizer disso, hein?

Sua cicatriz queimava... A dor que sentia estava fazendo seus olhos lacrimejarem...

- MENTIROSO! - ela gritou mas ele podia ouvir o terror por trás da raiva agora. - ELA ESTÁ COM VOCÊ, POTTER, E VOCÊ VAI ENTREGÁ-LA PARA MIM! Accio profecia! ACCIO PROFECIA!

Harry gargalhou novamente pois sabia que isso a irritava, a dor aumentava tanto em sua cabeça que parecia que se seu crânio ia explodir. Ele abanava as mãos vazias de trás do duende sem orelha e as retirava rapidamente quando ela mandava outro jato de luz verde em sua direção.

- Nada aqui - ele gritou. - Nada para convocar! Ela quebrou e ninguém ouviu o que ela disse, diga isso ao seu chefe!

- Não! - ela gritou. - Não é verdade, você está mentindo! MESTRE, EU TENTEI, EU TENTEI... NÃO ME CASTIGUE...

- Não gaste saliva! - berrou Harry, seus olhos apertados devido a dor em sua cicatriz, agora mais terrível do que nunca. - Ele não pode ouvi-la daí!

- Eu não posso, Potter? - disse uma voz fria e aguda.

Harry abriu os olhos.

Alto, magro e com um capuz negro, seu terrível rosto branco e seco de cobra, seus olhos vermelhos... Lord Voldemort tinha aparecido no meio do hall, sua varinha apontada para Harry, que estava congelado, incapaz de se mover.

- Então, você quebrou a profecia? - disse Voldemort calmamente, olhando para Harry com aqueles cruéis olhos vermelhos. - Não Bella, ele não está mentindo... Eu vejo a verdade me olhando de dentro de sua mente inútil... Meses de preparação, meses de esforço... E meus Comensais da Morte deixaram que Harry Potter frustrasse meus planos novamente...

- Mestre, eu sinto muito, eu não sabia, eu estava lutando contra o animago Black! - chorou Bellatrix, lançando-se aos pés de Voldemort, que se aproximava vagarosamente. - Mestre, você precisa entender...

- Silêncio Bella - disse Voldemort perigosamente. - Eu vou lidar com você num minuto. Você acha que eu entrei no Ministério da Magia para ouvir suas desculpas chorosas?

- Mas mestre... Ele está aqui... Lá embaixo...

Voldemort não prestou atenção.

- Eu não tenho mais nada a dizer para você, Potter - disse calmamente. - Você me molestou demais, por muito tempo. AVADA KEDAVRA!

Harry nem chegou a abrir a boca para resistir; sua mente estava em branco, sua varinha apontava inutilmente para o chão.

Mas a estátua dourada do bruxo sem cabeça da fonte ganhou vida, saltando de seu pedestal e aterrissando com um estrondo no chão, entre Harry e Voldemort. O feitiço tinha quase alcançado seu peito quando a estátua voou para protegê-lo.

- O que... - gritou Voldemort, olhando para os lados. E então ele disse num suspiro. - Dumbledore!

Harry olhou para trás, seu coração aos pulos. Dumbledore estava parado na frente dos portões dourados.

Voldemort levantou sua varinha e outro jato de luz verde voou na direção de Dumbledore, que se virou e sumiu no giro da sua capa. No segundo seguinte reapareceu atrás de Voldemort e agitou sua varinha na direção das estátuas restantes na fonte. Elas ficaram vivas. A estátua da bruxa correu atrás de Bellatrix, mergulhou em sua direção e a prendeu contra o chão. Enquanto isso o duende e o elfo escaparam em direção às lareiras na parede e o centauro de um só braço galopou para Voldemort, que sumiu e reapareceu perto da piscina. A estátua sem cabeça empurrou Harry para trás, para longe da luz; Dumbledore avançou na direção de Voldemort e o centauro galopou em volta dos dois.

- Foi tolo de sua parte vir até aqui esta noite, Tom - disse Dumbledore calmamente. - Os Aurores estão a caminho...

- Quando eles chegarem eu já terei ido e você estará morto! - rebateu Voldemort. Ele jogou outra maldição mortal em Dumbledore mas errou, ao invés disso acertou a mesa do guarda, que explodiu em chamas.

Dumbledore deu um peteleco em sua varinha: a força do feitiço que emanou dela era tão grande que Harry, embora protegido por seu guardião dourado, sentiu seu cabelo ficar em pé e desta vez Voldemort foi forçado a conjurar um escudo prateado no ar para se proteger. O feitiço, não importa qual, não causou estragos visíveis no escudo, embora uma nota profunda, como a de um gongo, tenha reverberado dele - um estranho som arrepiante.

- Você não quer me matar, Dumbledore? - perguntou Voldemort, seus estreitos olhos cor escarlate aparecendo sobre o escudo. - Você está acima de tal brutalidade?

- Nós dois sabemos que existem outras maneiras de destruir um homem, Tom - disse Dumbledore calmamente, continuando a caminhar em direção de Voldemort como se não tivesse medo algum, como se nada pudesse interromper seu passeio pelo salão. - Meramente tirar sua vida não me deixaria satisfeito, eu admito...

- Não há nada pior do que a morte, Dumbledore! - resmungou Voldemort.

- Você está errado, - disse, ainda se aproximando de Voldemort e falando tão suavemente como se estivessem discutindo o assunto enquanto bebiam. Harry sentiu medo ao vê-lo andar, sem defesa, sem escudo; quis gritar um aviso mas seu guarda sem cabeça o continuava empurrando para trás, junto à parede, bloqueando todas as suas tentativas de sair de trás dele. - Deveras, a sua falha ao compreender que há coisas muito piores do que a morte sempre foi sua grande fraqueza...

Outro jato de luz verde voou de trás do escudo prateado. Desta vez foi o centauro sem braço, galopando na frente de Dumbledore, que levou a rajada e foi despedaçado em milhares de cacos mas antes que os fragmentos caíssem Dumbledore moveu sua varinha como se manejasse um chicote. Uma longa chama voou da sua ponta; ela embrulhou Voldemort com escudo e tudo. Por um momento pareceu que Dumbledore tinha vencido mas então a corda de fogo se transformou em uma serpente, que cedeu à influência de Voldemort rapidamente e se virou, sibilando furiosamente, para encarar Dumbledore.

Voldemort desapareceu; a cobra se suspendeu do chão, pronta para atacar...

De repente aconteceu uma explosão de fogo no ar sobre Dumbledore e Voldemort reapareceu, ficando de pé no plinto, no meio da piscina, onde tão recentemente as cinco estátuas tinham estado.

- Cuidado! - gritou Harry.

Mas enquanto ele gritava outro jato de luz verde voou na direção de Dumbledore da varinha de Voldemort e a cobra deu o bote...

Fawkes desceu, entrando na frente de Dumbledore, abriu seu bico e engoliu o jato de luz verde: queimou, transformando-se em chama, e caiu no chão, pequeno, enrugado e incapaz de voar. No mesmo momento Dumbledore brandiu sua varinha num movimento longo e fluido - a cobra, que estava a alguns instantes de afundar suas presas nele, voou no ar e desapareceu numa nuvem de fumaça escura; a água da piscina se ergueu e cobriu Voldemort como um casulo de vidro derretido.

Por alguns segundos Voldemort ficou visível somente como uma figura escura, ondulada e sem rosto, trêmula e indistinta sobre o plinto, claramente lutando para sair daquela massa sufocante...

Então ele sumiu e a água caiu novamente na piscina, fazendo barulho, vazando pelas bordas, encharcando o assoalho polido.

- MESTRE! - gritou Bellatrix.

Certo de que era o fim, certo de que Voldemort tinha decidido fugir, Harry correu de trás da estátua que mantinha guarda mas Dumbledore exclamou:

- Fique onde está, Harry!

Pela primeira vez Dumbledore soou assustado. Harry não entendia o porquê: o salão estava vazio a não ser por eles, a chorosa Bellatrix ainda presa sob a estátua da bruxa e o bebê fênix Fawkes grasnava delicadamente no chão...

Então a cicatriz de Harry se abriu e ele soube que estava morto: era dor muito além do que podia imaginar, muito além do que ele podia suportar...

Ele não estava mais no salão, estava trancado no interior de uma criatura com olhos vermelhos, tão presa que Harry não sabia onde seu corpo acabava e a criatura começava: estavam fundidos num só, unidos na dor, e ele não tinha como escapar...

E então a criatura falou, usou a boca de Harry, que sentiu mexer em sua agonia...

- Mate-me agora, Dumbledore...

Cego e morrendo, cada parte de seu corpo gritando por liberdade, Harry sentiu a criatura usá-lo novamente...

- Se a morte não é nada, Dumbledore, mate o garoto...

"Faça a dor parar", pensava Harry... "Deixe que ele nos mate... Acabe com isso, Dumbledore... Morte não é nada comparado a isso..."

"E eu verei Sirius de novo..."

E ao sentir o coração de Harry se encheu de emoção, o interior da criatura se afrouxou, a dor sumiu; Harry estava deitado com o rosto no chão, sem óculos, tremendo como se estivesse deitado sobre gelo, não madeira...

E ele ouviu vozes ecoando pelo salão, mais vozes do que deveria haver... Harry abriu os olhos, viu seus óculos caídos perto de onde a estátua sem cabeça estivera cuidando dele mas que agora estava caída, rachada e imóvel. Colocou os óculos e levantou um pouco a cabeça, vendo o nariz curvo de Dumbledore a poucos centímetros do seu.

- Você está bem, Harry?

- Sim - disse Harry, tremendo tão violentamente que não conseguia manter sua cabeça levantada direito. - Sim, eu, onde está Voldemort, onde... Quem são todos esses... O que...

O Átrio estava cheio de gente; o chão estava refletindo as chamas verde-esmeralda que foram acesas em todas as lareiras das paredes; rios de bruxos e bruxas emergiam delas. Enquanto Dumbledore o ajudava a levantar Harry viu as pequenas estátuas do duende e elfo guiando um abobado Cornélio Fudge.

- Ele esteve aqui! - gritou um homem com roupas escarlate e um rabo-de-cavalo, que estava apontando para uma pilha de cascalho dourado do outro lado do salão, onde Bellatrix estava presa momentos antes. - Eu o vi, Sr. Fudge, eu juro que era Você-Sabe-Quem, ele agarrou a mulher e desapareceu!

- Eu sei, Williamson, eu sei, eu também o vi! - gaguejou Fudge, que estava usando pijamas debaixo de sua capa listrada e estava arfando como se tivesse corrido por vários quilômetros. - Pelas barbas de Merlin, aqui, aqui! No Ministério da Magia! Pelos céus, não pode ser possível, minha palavra, como isso pode ser...?

- Se você descer até o Departamento de Mistérios, Cornélio, - disse Dumbledore, aparentemente satisfeito que Harry estivesse bem e andou para que os recém-chegados pudessem perceber pela primeira vez que estava lá (alguns deles levantaram suas varinhas; outros simplesmente pareciam espantados; as estátuas do elfo e duende aplaudiam e Fudge pulou tão alto que seus pés cobertos por chinelos saíram do chão - você encontrará alguns dos Comensais da Morte que escaparam contidos na Câmara da Morte, presos por uma azaração Anti-Desaparatação e esperando sua decisão do que será feito deles.

- Dumbledore! - engasgou Fudge, espantado. - Você... Aqui... Eu... Eu...

Ele olhava loucamente à sua volta para os Aurores que tinham vindo com ele e parecia a ponto de chorar "Peguem-no!".

- Cornélio, eu estou pronto para lutar com seus homens... E vencer, novamente! - disse Dumbledore numa voz de trovão. - Mas há alguns minutos você viu com seus próprios olhos a prova da verdade que eu vinha lhe dizendo há um ano. Lord Voldemort retornou, você tem seguido o homem errado por doze meses e está na hora de você ouvir a razão!

- Eu... Não... Bem... - gabou-se Fudge, olhado à sua volta como se esperasse que alguém fosse lhe dizer o que fazer. Como ninguém fez nada, ele disse. - Muito bem, Dawlish! Williamson! Desçam até o Departamento de Mistérios e vejam... Dumbledore, você... Você vai precisar me dizer exatamente... A Fonte dos Irmãos Mágicos... O que aconteceu? - acrescentou num tipo de lamúria, fitando o chão à sua volta, onde os restos das estátuas da bruxa, do bruxo e do centauro estavam.

- Nós podemos discutir isso depois que eu levar Harry de volta para Hogwarts - disse Dumbledore.

- Harry... Harry Potter?

Fudge girou e olhou para Harry, que ainda estava parado perto da parede em que a estátua caída o tinha protegido durante o duelo entre Dumbledore e Voldemort.

- Ele... Aqui? - disse Fudge. - Por que... O que significa tudo isso?

- Eu explicarei tudo devidamente - repetiu Dumbledore - quando Harry estiver novamente na escola.

Ele se afastou da fonte e foi até o lugar em que a cabeça dourada do mago jazia no chão. Apontou sua varinha para ela e sussurrou "Portus". A cabeça tomou um brilho azul e tremeu com um ruído no assoalho de madeira por alguns segundos, então parou novamente.

- Agora, veja bem, Dumbledore! - disse Fudge enquanto Dumbledore pegava a cabeça e andava na direção de Harry, carregando-a. - Você não tem autorização para usar essa Chave de Portal! Você não pode fazer coisas como essa bem na frente do Ministro da Magia, você... Você...

A voz dele vacilou quando Dumbledore o inspecionou de maneira absoluta sobre seus óculos de meia lua.

- Você dará a ordem para retirar Dolores Umbridge de Hogwarts - disse Dumbledore. - Você dirá para seus Aurores pararem de procurar pelo meu professor de Trato de Criaturas Mágicas, para que ele possa voltar ao trabalho. Eu lhe darei... - Dumbledore olhou para seu relógio. - ...meia hora do meu horário esta noite, que eu acredito ser mais do que suficiente para cobrir os pontos importantes do que aconteceu aqui. Depois disso eu terei que voltar para a minha escola. Se você precisar de mais ajuda de mim, você será, claro, mais do que bem-vindo para me contatar em Hogwarts. Cartas dirigidas ao diretor chegarão até mim.

Fudge girou os olhos pior do que nunca; sua boca estava aberta e sua cara redonda estava mais rosada sob seu cabelo cinza.

- Eu... Você...

Dumbledore virou as costas para ele.

- Segure essa Chave de Portal, Harry.

Ele segurou a cabeça dourada da estátua e Harry colocou a sua mão sobre ela, sem pensar no que faria depois ou para onde iria.

- Eu vejo você em meia hora - disse Dumbledore calmamente. - Um... dois... três...

Harry sentiu uma sensação familiar de um solavanco dentro do umbigo. O chão de madeira polida desapareceu debaixo dos seus pés; o Átrio, Fudge e Dumbledore - todos sumiram - estava voando num redemoinho de sons e cores...
-- CAPÍTULO 37 --
A ÚLTIMA PROFECIA


Os pés de Harry tocaram o chão duro, seus joelhos se dobraram um pouco e a cabeça dourada do bruxo caiu no chão com um sonoro "clunk". Ele olhou em volta e percebeu que tinha chegado à sala de Dumbledore.

Tudo parecia ter voltado ao seu lugar durante a ausência do diretor. Os delicados instrumentos de prata estavam mais uma vez recostados sobre as mesas com pés em espiral, soprando e silvando serenamente. Nos quadros, os grandes bruxos e bruxas cochilavam em suas molduras, as cabeças caídas sobre os ombros ou encostadas nas bordas das telas. Harry olhou pela janela. Havia uma linha ínfima de um verde pálido no horizonte: a manhã começava a chegar.

O silêncio e a tranqüilidade do lugar, quebrados apenas pelos grunhidos e suspiros ocasionais de algum retrato adormecido, eram terríveis para ele. Se esses ruídos pudessem refletir os sentimentos dentro dele os retratos estariam gritando de dor. Caminhou pela sala silenciosa respirando rapidamente e tentando não pensar. Mas ele tinha que pensar... Não havia saída...

Era sua culpa Sirius ter morrido, era tudo culpa sua. Se ele, Harry, não tivesse sido estúpido o suficiente para cair nos truques de Voldemort, se não estivesse tão convencido de que aquilo que vira em seu sonho era real, se apenas tivesse aberto sua mente para a possibilidade de Voldemort estar, como Hermione havia dito, apostando no gosto de Harry por bancar o herói...

Era intolerável, não devia pensar sobre isso, não agüentaria isso... Havia um vazio terrível dentro dele, o qual não queria sentir nem examinar, um buraco escuro onde Sirius estivera, onde Sirius desaparecera; não queria ter de ficar sozinho com aquele imenso e silencioso vazio, não agüentaria isso.

Um retrato atrás dele fez um grunhido particularmente alto e uma voz fria disse "Ah... Harry Potter...". Phineas Nigellus deu um longo bocejo, esticando os braços enquanto examinava Harry com seus astutos e estreitos olhinhos castanhos.

- E o que traz você aqui nas primeiras horas da manhã? - disse Phineas casualmente. - Essa sala é supostamente barrada a todos menos ao legítimo diretor. Ou terá Dumbledore mandado você aqui? Oh, não me conte - estremeceu novamente. - Outra mensagem para o meu desprezível tataraneto?

Harry não podia falar. Phineas Nigellus não sabia que Sirius estava morto mas Harry não conseguiria contar a ele. Dizê-lo em voz alta seria tornar isso final, absoluto, irremediável.

Mais alguns dos retratos estavam acordando agora. O terror de ser interrogado fez Harry cruzar o aposento a passos largos e agarrar a maçaneta da porta.

Não abriu. Ele estava trancado ali.

- Eu espero que isto signifique - disse o bruxo corpulento de nariz vermelho que estava pendurado na parede atrás da mesa do diretor - que Dumbledore logo estará de volta entre nós?

Harry se virou. O bruxo o estava examinando com grande interesse. Harry fez que sim com a cabeça. Torceu novamente a maçaneta atrás dele, que continuou imóvel.

- Oh, bem - disse o bruxo. - Tem sido muito aborrecido sem ele, muito aborrecido, na verdade.

Ele se acomodou na cadeira semelhante a um trono na qual havia sido pintado e sorriu benevolente para Harry.

- Dumbledore tem um grande conceito a seu respeito, como estou certo de que você sabe - disse confortadoramente. - Oh, sim. Tem você em grande estima.

A culpa que retorcia o vazio no peito de Harry era como um monstro, um verme pesado. Harry não podia agüentar isso, não podia agüentar mais ser quem ele era... Nunca tinha se sentido tão aprisionado em sua própria mente e corpo, nunca havia desejado tão intensamente poder ser outra pessoa, qualquer outra...

A lareira vazia subitamente explodiu em chamas verde-esmeralda, fazendo com que Harry saltasse de perto da porta, olhando para o homem que surgia dentro da grelha. Enquanto a alta figura de Dumbledore se revelava do fogo os bruxos e bruxas nas paredes sussurravam e se regozijavam, alguns chegando a chorar dando as boas-vindas.

- Obrigado, muito obrigado - disse docemente Dumbledore.

Ele não olhou logo para Harry, caminhou até o poleiro ao lado da porta e retirou de um bolso interno de sua capa a minúscula e feia Fawkes, totalmente sem penas, a quem colocou gentilmente no leve ninho de cinzas sob o pilar dourado onde a renascida e adulta Fawkes costumava ficar.

- Bem, Harry - disse Dumbledore, finalmente deixando o frágil pássaro -, você gostará de ouvir que nenhum de seus amigos e colegas sofrerá maiores danos por causa dos acontecimentos desta noite.

Harry tentou dizer "Ótimo" mas nenhum som saiu. Parecia pra ele que Dumbledore o estava lembrando de quanto dano havia causado e embora o diretor estivesse olhando para ele diretamente e sua expressão fosse mais amistosa que acusatória Harry não ousava encontrar seu olhar.

- Madame Pomfrey está colocando todo mundo de pé e bem - disse Dumbledore. - Nymphadora Tonks pode precisar ficar um tempo maior em St. Mungus mas parece que ela terá total recuperação.

Harry se contentou em inclinar a cabeça, olhando o tapete, que ficava mais e mais brilhante à medida que o dia clareava lá fora. Tinha certeza de que todos os retratos estavam ouvindo cuidadosamente cada palavra que Dumbledore pronunciava, perguntando-se onde ambos estiveram e por que teria havido danos.

- Eu sei como você está se sentindo, Harry - disse Dumbledore calmamente.

- Não, não sabe - disse Harry e sua voz estava de repente alta e clara; uma fúria branca e quente se agitava dentro de si; Dumbledore não tinha a menor idéia sobre seus sentimentos.

- Você vê, Dumbledore? - disse Phineas Nigellus maliciosamente. - Nunca tente compreender os alunos. Eles odeiam isso. Eles prefeririam muito mais ser tragicamente incompreendidos, chafurdar na autopiedade, afundar em seus próprios...

- É o suficiente, Phineas - disse Dumbledore.

Harry virou de costas para Dumbledore e olhou determinadamente pela janela. Podia ver o campo de quadribol ao longe. Sirius tinha aparecido lá uma vez, disfarçado como o grande cão negro, assim podia observar Harry jogando... Ele provavelmente tinha ido ver se Harry era tão bom quanto Tiago fora... Harry nunca lhe perguntara.

- Não há vergonha no que você está sentindo, Harry - disse a voz de Dumbledore. - Pelo contrário... O fato de você ser capaz de sentir uma dor como essa é sua maior força.

Harry sentiu a fúria branca e quente o lambendo por dentro, queimando no terrível buraco, enchendo-o com o desejo de ferir Dumbledore por sua calma e suas palavras vazias.

- Minha grande força é essa? - disse Harry, a voz tremendo à medida que continuava a olhar o estádio mas já sem enxergá-lo. - Você não tem a menor idéia... Você não sabe...

- O que eu não sei? - perguntou calmamente Dumbledore.

Isso foi demais. Harry se voltou, tremendo de raiva.

- Eu não quero falar sobre como eu me sinto, está bem?

- Harry, sofrer desse jeito prova que você ainda é um homem. Essa dor faz parte de ser humano...

- ENTÃO EU NÃO QUERO SER HUMANO! - urrou Harry, agarrando o delicado instrumento de prata da mesa ao seu lado e arremessando-o pela sala; ele se espatifou em centenas de minúsculos pedaços contra a parede. Muitos dos retratos soltaram gritos de raiva e medo e a pintura de Armando Dippet disse:

- Realmente!

- EU NÃO ME IMPORTO - gritou Harry para eles, apanhando um lunoscópio e jogando-o na lareira. - TEM SIDO DEMAIS, TENHO VISTO COISAS DEMAIS, EU QUERO SAIR, EU QUERO QUE ISSO TERMINE, EU NÃO ME IMPORTO MAIS.

Ele apanhou a mesa na qual o instrumento de prata estivera e a atirou também. Ela se partiu no chão e os pés rolaram em várias direções.

- Você se importa, sim - disse Dumbledore. Ele não havia hesitado ou feito um único movimento para impedir Harry de destruir sua sala. Sua expressão era calma, quase distante. - Você se importa tanto que sente como se fosse sangrar até a morte com tanta dor.

- EU... NÃO! - Harry gritou tão alto que parecia que sua garganta se rasgaria e por um segundo quis correr até Dumbledore e quebrá-lo também; romper aquela calma no rosto velho, sacudi-lo, machucá-lo, fazê-lo sentir um pouquinho de todo o horror dentro dele.

- Oh, sim, você, sim - disse Dumbledore, ainda mais calmamente. - Você perdeu seu pai, sua mãe e agora a coisa mais próxima de um pai que você conheceu. É claro que você se importa.

- VOCÊ NÃO SABE COMO EU ME SINTO! - Harry berrou. - VOCÊ... SEMPRE AÍ... VOCÊ...

Então as palavras já não eram suficientes, destruir as coisas não ajudava mais; Harry queria correr, queria correr e correr e nunca olhar para trás, queria estar em qualquer lugar onde não pudesse ver os límpidos olhos azuis a fitá-lo, aquela odiosa calma e velha face. Virou-se nos calcanhares e correu até a porta, agarrou a maçaneta e a torceu com força. Mas a porta não se abria.

Harry se virou para Dumbledore.

- Deixe-me sair - disse. Ele tremia da cabeça aos pés.

- Não - disse Dumbledore simplesmente.

Por alguns segundos se olharam nos olhos.

- Deixe-me sair - disse Harry novamente.

- Não - repetiu Dumbledore.

- Se você não deixar... Se você me prender aqui... Se você não me...

- Certamente continuaria a destruir meus objetos - disse Dumbledore serenamente. - Ouso dizer que tenho muitos - ele caminhou para sua mesa e sentou-se atrás dela, olhando Harry.

- Deixe-me sair - disse Harry mais uma vez, com uma voz fria e quase tão calma quanto a de Dumbledore.

- Não até eu dizer o que é preciso - falou Dumbledore.

- Você... Você acha que eu quero... Você acha que eu dou um... Eu não me importo com o que VOCÊ TEM A DIZER - urrou Harry. - Eu não quero ouvir nada do que você tem a dizer.

- Você ouvirá - respondeu Dumbledore, firme. - Você pode estar furioso comigo mas não está nem perto do quão furioso pode ficar. Se está disposto a me agredir, como sei que está perto de fazer, eu gostaria de ter a chance de merecê-lo realmente.

- Do que você está falando...?

- É minha culpa a morte de Sirius - disse Dumbledore claramente. - Ou eu deveria dizer, quase que inteiramente minha culpa, não serei tão arrogante a ponto de assumir a responsabilidade por tudo. Sirius era um homem bravo, esperto e disposto e este tipo de homem normalmente não se contenta em ficar sentado em casa escondido enquanto acredita que outros podem estar correndo perigo. Todavia, você nunca deveria ter acreditado, nem por um só momento, que havia qualquer necessidade de você ir ao Departamento de Mistérios esta noite. Se eu tivesse sido aberto com você, Harry, como eu deveria ter sido, você saberia há muito tempo que Voldemort tentaria atrair você ao Departamento de Mistérios e você nunca teria sido enganado para entrar lá esta noite. E Sirius não teria ido depois de você. Esta culpa me pertence, e somente a mim.

Harry ainda estava parado com a mão na maçaneta da porta mas nem percebia. Olhava para Dumbledore, a respiração difícil, escutando, ainda que pouco entendendo o que estava ouvindo.

- Por favor, sente-se - disse Dumbledore. Não era uma ordem, era um convite.

Harry hesitou mas depois caminhou devagar pela sala, cheia de fragmentos de prata e madeira espalhados pelo chão, e tomou a cadeira em frente à mesa de Dumbledore.

- Devo entender - disse Phineas Nigellus, à esquerda de Harry, devagar - que meu tataraneto, o último dos Black... Está morto?

- Sim Phineas - disse Dumbledore.

- Não acredito nisso - disse Phineas bruscamente.

Harry virou a cabeça a tempo de ver Phineas saindo de sua moldura e soube que ele tinha ido visitar seu outro retrato em Grimmauld Place. Ele caminharia, talvez de retrato em retrato, chamando por Sirius pela casa...

- Harry, eu lhe devo uma explicação - disse Dumbledore. - Uma explicação sobre os erros de um velho homem. Pois vejo agora o que tenho e o que não tenho feito em relação a você suportar as marcas das passagens da idade. Um jovem não pode saber como pensa e sente um homem velho. Mas os homens velhos são culpados, esquecem de como era ser jovem... E parece que eu tenho esquecido ultimamente...

O sol estava começando a nascer agora, via-se uma ofuscante coroa alaranjada sobre as montanhas e o céu sobre elas era claro e sem cor. A luz atingiu Dumbledore, caiu no prateado de suas sobrancelhas e barba, nas linhas profundamente esculpidas do seu rosto.

- Eu soube quinze anos atrás - continuou Dumbledore -, quando vi a cicatriz em sua testa, o que ela significava. Seria o sinal de uma conexão entre você e Voldemort.

- O senhor já tinha me falado isso, professor - disse Harry asperamente. Não se importou de ser rude. Nada mais tinha muita importância.

- Sim - disse Dumbledore justificativamente. - Sim, mas veja, é necessário começar pela sua cicatriz. Pois se tornou aparente, logo após você voltar ao mundo mágico, que eu estava correto e que sua cicatriz lhe enviava sinais quando Voldemort estava perto de você ou a emoção poderosa de outro sentimento.

- Eu sei - falou cansadamente Harry.

- E essa habilidade sua, detectar a presença de Voldemort mesmo disfarçado e saber o que ele está sentindo quando suas emoções estão exacerbadas, tornou-se mais e mais pronunciada desde que Voldemort retornou ao próprio corpo e aos seus poderes.

Harry nem se preocupou em dizer ou fazer nada. Ele já sabia de tudo isso.

- Mais recentemente - retomou Dumbledore - minha preocupação era de que Voldemort percebesse a existência dessa conexão entre vocês. Como previ, chegou a hora em que você entrou tão a fundo em sua mente e seus pensamentos que ele sentiu sua presença. Estou falando, é claro, da noite em que você testemunhou o ataque ao senhor Weasley.

- É, Snape falou comigo - resmungou Harry.

- Professor Snape, Harry - corrigiu Dumbledore serenamente. - Mas você não se perguntou por que não fui eu quem explicou isso a você? Por que eu não ensinei a você o encantamento da Oclumancia? Por que fiz pouco mais do que olhar para você por meses?

Harry olhou para cima. Agora via que Dumbledore parecia triste e cansado.

- Sim - murmurou Harry. - Eu  me perguntei.

- Veja - continuou Dumbledore -, acreditei que não demoraria muito até Voldemort tentar forçar uma entrada em sua mente, Harry, para manipular e confundir seus pensamentos, e certamente eu não estava ansioso por dar a ele maiores incentivos. Eu estava certo de que se ele percebesse que nosso relacionamento era, ou fora alguma vez, mais próximo do que o de professor e aluno ele agarraria a chance de usar você para espionar a mim. Eu temi pelo uso que ele faria de você, a possibilidade de ele tentar e possuir você. Harry, creio que eu estava certo em pensar que Voldemort usaria você dessa maneira. Nas raras ocasiões em que eu e você tivemos contato mais próximo pensei ter visto a sombra dele se agitar atrás dos seus olhos...

Harry se lembrou de ter sentido como se uma serpente adormecida crescesse nele, pronta para atacar, naquelas ocasiões em que seu olhar e o de Dumbledore se encontraram.

- O alvo de Voldemort ao possuir você, como ficou demonstrado esta noite, não seria a minha destruição. Seria a sua. Ele esperava, quando possuiu você rapidamente há pouco tempo atrás, que eu fosse sacrificar você na esperança de matá-lo. Portanto, você vê, eu vinha tentando, mantendo-me distante de você, protegê-lo Harry. O erro de um homem velho...

Ele suspirou profundamente. Harry deixava que as palavras simplesmente escorressem por ele. Teria estado muito interessado em saber de tudo isso há alguns meses mas agora era insignificante comparado ao vazio dentro dele que era a perda de Sirius; nada mais importava.

- Sirius me contou que você sentiu Voldemort acordar dentro de você na noite em que teve a visão do ataque a Arthur Weasley. Eu soube então que meus piores medos estavam corretos: Voldemort havia percebido que podia usar você. Numa tentativa de armar você contra os assaltos de Voldemort à sua mente, fiz os arranjos para que você tivesse as lições de Oclumancia com o professor Snape.

Ele fez uma pausa. Harry olhou a luz do sol que deslizava devagar cruzando a superfície polida da mesa de Dumbledore, iluminando um tinteiro e uma elegante pena escarlate. Harry percebeu que todos os retratos em volta deles estavam acordados e ouvindo extasiados a explicação de Dumbledore; ele podia ouvir o ruído ocasional das roupas, um limpar de garganta. Phineas Nigellus ainda não retornara...

- Professor Snape descobriu - retomou Dumbledore - que você sonhou com a porta do Departamento de Mistérios por meses. Voldemort, sem dúvida, esteve obcecado com a possibilidade de ouvir a profecia desde que recuperou seu corpo e, assim como ele, você tinha a porta em sua mente, embora não soubesse o que significava. E então você viu Rookwood, que trabalhava no Departamento de Mistérios antes de ser preso, contando a Voldemort o que nós sabíamos, que as profecias guardadas no Ministério da Magia estão fortemente protegidas. Apenas as pessoas a quem elas se referem podem ouvi-las sem ficarem loucas: neste caso ou Voldemort teria que ir ele mesmo ao Ministério, correndo o risco de se revelar, afinal, ou você teria que apanhar para ele. Tornou-se, assim, de grande e crescente importância que você dominasse o feitiço da Oclumancia.

- Mas eu não o fiz - disse Harry. Falou alto, para tentar aliviar o peso morto da culpa dentro dele: uma confissão certamente aliviaria um pouco da terrível pressão que espremia seu coração. - Eu não pratiquei, não me importei, eu poderia ter impedido a mim mesmo de continuar a ter aqueles sonhos, Hermione vivia me dizendo para fazê-lo, se eu nunca tivesse mostrado a mim mesmo aonde ir, e... Sirius não teria... Sirius não teria...

Algo irrompeu na cabeça de Harry: uma ânsia de se justificar, de explicar.

- Eu tentei me certificar de que ele realmente havia levado Sirius, fui à sala da Umbridge, falei com Kreacher na lareira e ele disse que Sirius não estava lá, disse que ele tinha saído!

- Kreacher mentiu - disse Dumbledore calmamente. - Você não é mestre dele, ele poderia mentir a você sem nem mesmo ter que se punir. Ele tinha intenção de fazer você ir ao Ministério da Magia.

- Ele me mandou ir de propósito?

- Oh, sim. Kreacher, temo que ele venha servindo a mais de um mestre há meses.

- Como? - disse Harry, debilmente. - Ele não sai de Grimmauld Place há anos.

- Kreacher teve sua oportunidade logo depois do Natal - disse Dumbledore -, quando Sirius, aparentemente, gritou a ele "vá embora". Ele pegou Sirius pela palavra e interpretou isso como uma ordem para deixar a casa. E se dirigiu ao único membro da família Black por quem ele ainda tinha algum respeito... A prima Narcissa, irmã de Bellatrix e esposa de Lúcio Malfoy.

- Como você sabe de tudo isso? - perguntou Harry. Seu coração estava batendo muito depressa. Ele se sentia mal. Lembrou de sua preocupação com a esquisita ausência de Kreacher no Natal, lembrou de ele voltando outra vez no sótão.

- Kreacher me contou ontem à noite - disse Dumbledore. - Veja, quando você deu ao professor Snape aquele aviso oculto ele percebeu que você tivera uma visão de Sirius amarrado no Departamento de Mistérios. Ele, assim como você, tentou contato com Sirius. Eu devo explicar que os membros da Ordem da Fênix têm métodos de comunicação mais confiáveis que o fogo na sala de Dolores Umbridge. Professor Snape descobriu que Sirius estava vivo e seguro em Grimmauld Place. Quando, no entanto, você não voltou da sua ida à floresta com Dolores Umbridge, professor Snape viu crescer sua preocupação: você ainda acreditava que Sirius era prisioneiro de Lord Voldemort. Então alertou imediatamente alguns membros da Ordem.

Dumbledore deu um enorme suspiro e continuou.

- Alastor Moody, Nymphadora Tonks, Kingsley Shacklebolt e Remo Lupin estavam no quartel-general quando ele fez contato. Todos concordaram em ir a seu auxílio imediatamente. Professor Snape pediu a Sirius para ficar, era necessário que alguém permanecesse para me contar o que havia acontecido, já que eu chegaria em breve. Nesse meio tempo ele, Professor Snape, pretendia ir à floresta procurar você. Mas Sirius não desejaria ficar para trás enquanto outros iam à sua procura, Harry. Ele delegou a Kreacher a tarefa de me contar o que havia acontecido. E foi assim que, quando cheguei em Grimmauld Place logo em seguida à saída de todos rumo ao Ministério, foi o elfo quem me disse, rindo até quase estourar, onde Sirius havia ido.

- Ele estava rindo? - disse Harry numa voz oca.

- Oh, sim - respondeu Dumbledore. - Veja Harry, Kreacher não poderia nos trair totalmente. Ele não é um Guardião Secreto da Ordem, não poderia dar aos Malfoy nossa localização ou contar a eles qualquer um dos planos confidenciais os quais tenha sido proibido de revelar. Ele estava obrigado por encantamentos da sua raça, o que significa dizer que ele não poderia desobedecer a uma ordem direta do seu mestre Sirius. Mas ele deu a Narcissa informações que se tornaram muito valiosas para Voldemort, embora possam ter parecido muito triviais para Sirius sequer pensar em proibir Kreacher de repetir.

- Como o quê?

- Como o fato de que a pessoa com quem Sirius mais se importava no mundo era você - disse Dumbledore serenamente. - Como o fato de você estimar e respeitar Sirius como uma mistura de pai e irmão. Voldemort já sabia, evidentemente, que Sirius era membro da Ordem e que você sabia onde ele estava mas a informação de Kreacher fez com que percebesse que a única pessoa a qual você percorreria qualquer distância para salvar era Sirius Black.

Os lábios de Harry estavam frios e dormentes.

- Então... Quando perguntei a Kreacher se Sirius estava lá naquela noite...

- Os Malfoy, sem dúvida instruídos por Voldemort, disseram a ele para encontrar uma maneira de manter Sirius fora do caminho uma vez que você tivesse a visão dele sendo torturado. Assim, se você decidisse verificar se Sirius estava ou não em casa Kreacher poderia fingir que não. Kreacher feriu o hipogrifo ontem e, quando você fez sua aparição no fogo, Sirius estava lá em cima cuidando dele.

Harry sentia seus pulmões praticamente sem ar; sua respiração era breve e superficial.

- E Kreacher contou a você tudo isso... E riu?

- Ele não queria me contar - explicou Dumbledore. - Mas sou suficientemente aperfeiçoado na magia de Legilimens para saber quando estou sendo enganado e o persuadi a me contar toda a história antes que eu fosse ao Departamento de Mistérios.

- E - sussurrou Harry, sentindo as mãos cerradas e geladas sobre os joelhos - Hermione nos dizendo para tratá-lo bem...

- Ela estava quase certa, Harry. Eu avisei a Sirius quando adotamos o número 12 da Grimmauld Place como nosso quartel-general que Kreacher devia ser tratado com bondade e respeito. Também disse a ele que Kreacher poderia se tornar perigoso para nós. Não creio que Sirius tenha me levado muito a sério ou que ele alguma vez tenha olhado Kreacher como sendo um ser com sentimentos tão profundos quando os humanos.

- Não o culpe... Não fale... Dele... De Sirius... Assim - Harry mal respirava, não conseguia expressar as palavras mas a raiva que estava acalmada por um instante ressurgiu dentro dele: não deixaria Dumbledore criticar Sirius. - Kreacher é um mentiroso, um tolo... Ele mereceu.

- Kreacher é o que os bruxos fizeram dele, Harry. Sim, ele é digno de nossa piedade. A existência dele tem sido tão miserável quanto a do seu amigo Dobby. Kreacher era obrigado a obedecer a Sirius por ele ser o último da família à qual estava escravizado, não havia lealdade verdadeira. E qualquer que tenha sido a culpa de Kreacher devemos admitir que Sirius nada fez para tornar seu destino mais fácil...

- NÃO FALE DE SIRIUS DESSE JEITO! - berrou Harry.

Ele estava em pé novamente, furioso, pronto para voar sobre Dumbledore, que realmente não tinha entendido Sirius, quão bravo ele era, o quanto ele sofrera...

- E o que me diz de Snape? - Harry cuspiu. - Sobre ele nada é falado, não é? Quando eu disse a ele que Voldemort tinha Sirius ele zombou de mim como sempre.

- Harry, você sabe que o professor Snape não tinha outra opção a não ser fingir para Dolores Umbridge que não tinha levado você a sério - disse Dumbledore com firmeza - mas, como já expliquei, ele informou à Ordem assim que pôde sobre o que você havia dito. Foi ele quem deduziu onde você tinha ido quando você não voltou da Floresta. Foi ele, também, quem deu Veritasserum falso à professora Umbridge quando ela tentava forçar você a contar a ela sobre Sirius.

Harry desconsiderou tudo isso; sentia um prazer selvagem em culpar Snape, parecia acalmar seu próprio senso tenebroso de culpa e queria ouvir Dumbledore concordar com ele.

- Snape... Snape pro... Provocou Sirius... Sobre ficar em casa... Fez parecer que Sirius era um covarde.

- Sirius era adulto e esperto o suficiente para permitir que zombarias tão fracas o atingissem.

- Snape parou de me dar as lições de Oclumancia! - Harry se embaraçou. - Ele me expulsou da sala dele!

- Estou ciente disso - respondeu Dumbledore com firmeza. - Eu já disse que foi um erro não o ensinar eu mesmo, embora eu estivesse certo, naquela ocasião, que nada poderia ser mais perigoso do que abrir sua mente para Voldemort em minha presença.

- Snape tornou ainda pior, minha cicatriz sempre doeu mais depois das lições com ele - Harry lembrou que Rony pensava sobre isso - e como você sabe que ele não estava tentando me amaciar para Voldemort, tornando mais fácil para ele entrar em minha...

- Eu confio em Severo Snape - disse Dumbledore simplesmente. - Mas eu esqueci, outro engano de um homem velho, que certas feridas são muito profundas para serem curadas. Eu acreditava que o professor Snape pudesse superar os sentimentos dele a respeito de seu pai, Harry. Eu estava errado.

- Mas tudo bem, não é? - gritou Harry, ignorando os rostos escandalizados e os murmúrios de desaprovação dos retratos nas paredes. - Tudo bem que Snape odeie meu pai mas não que Sirius odeie Kreacher?

- Sirius não odiava Kreacher - afirmou Dumbledore. - Ele o considerava um serviçal sem muito interesse ou valor. Indiferença e negligência são muitas vezes mais prejudiciais do que a antipatia direta... A fonte que destruímos esta noite disse uma mentira. Nós, bruxos, temos maltratado e abusado de nossos companheiros por muito tempo e agora estamos tendo nossa retribuição.

- ENTÃO SIRIUS TEVE O QUE MERECEU, É? - gritou Harry.

- Eu não disse absolutamente isso nem você jamais me ouvirá dizer tal coisa - replicou Dumbledore suavemente. - Sirius não era um homem cruel, era gentil com os da casa, com elfos em geral. Ele não tinha amor por Kreacher porque Kreacher era a lembrança viva do lar que Sirius havia odiado.

- É, ele realmente odiou - disse Harry, a voz como um chicote, virando às costas para Dumbledore. O sol brilhava dentro da sala e os olhos de todos os retratos o seguiram enquanto ele caminhava, sem se dar conta do que fazia, sem enxergar a sala. - Você o fez ficar trancado naquela casa e ele odiou, era por isso que ele queria sair na última noite...

- Eu estava tentando manter Sirius vivo - respondeu Dumbledore serenamente.

- As pessoas não gostam de ser trancadas! - disse Harry em fúria, andando em volta de Dumbledore. - Você fez isso comigo durante todo o ultimo verão!

Dumbledore fechou os olhos e cobriu o rosto com suas mãos de dedos finos e longos. Harry olhou para ele mas os sinais nada habituais de exaustão ou tristeza ou o que fosse de Dumbledore não o comoveram. Ao contrário, sentiu-se ainda mais irritado por Dumbledore estar mostrando sinais de fraqueza. Ele não tinha nada que ser fraco quando Harry estava enfurecido com ele.

O diretor baixou as mãos e olhou bem para Harry através das meia-luas dos óculos.

- Chegou a hora de eu dizer o que devia ter contado a você cinco anos atrás, Harry. Por favor, sente-se. Eu vou contar tudo. Peço apenas um pouquinho da sua paciência. Você terá a chance de se enfurecer comigo, de fazer o que quiser, quando eu terminar. Não vou impedi-lo.

Harry o olhou com fúria por um momento, então se atirou novamente na cadeira oposta à de Dumbledore e esperou.

Dumbledore encarou por um momento as faixas de terra iluminadas pelo sol do lado de fora, depois olhou novamente para Harry e disse:

- Cinco anos atrás você chegou a Hogwarts, Harry, seguro e intacto, como eu planejara e pretendera. Bem, não totalmente intacto. Você sofrera. Eu sabia que isso aconteceria quando deixei você na porta da casa de seus tios. Eu sabia que estava condenando você a dez anos escuros e difíceis.

Ele se calou. Harry nada disse.

- Você deve querer saber, com razão, por que tinha que ser assim. Por que alguma família bruxa não poderia ter adotado você? Muitas o teriam feito com mais do que boa-vontade, sentiriam-se honradas e felizes por criar você como um filho. Minha resposta é que minha prioridade era manter você vivo. Você correria mais perigo do que praticamente qualquer um mas eu percebi. Voldemort havia sido vencido horas antes mas seus apoiadores, e muitos são tão terríveis quanto o próprio Lord, ainda estavam por perto, zangados, desesperados e violentos. E eu tive que tomar minha decisão, também, levando em consideração os anos pela frente. Eu acreditava que Voldemort tinha ido embora para sempre? Não. Não sabia se seriam dez, vinte ou cinqüenta anos até ele retornar mas eu tinha certeza de que ele o faria e estava certo, também, por conhecê-lo bem, que ele não descansaria até matar você. Eu sabia que o conhecimento de mágica de Voldemort é, talvez, mais extenso do que o de qualquer bruxo vivo. Eu sabia que mesmo meus mais complexos e poderosos encantos e magias de defesa não seriam suficientes se ele retomasse seu poder plenamente. Mas eu sabia, também, onde Voldemort era fraco. Então tomei minha decisão. Você seria protegido por uma antiga magia que ele conhece, a qual despreza e que, conseqüente, sempre subestimou, e pagou o preço. Estou falando, certamente, do fato de sua mãe ter morrido para salvar você. Ela deu a você proteção duradoura como ele nunca imaginou, uma defesa que flui em suas veias até hoje. Eu então pus minha confiança no sangue de sua mãe. Entreguei você à irmã dela, sua única parenta viva.

- Ela não me ama - disse Harry de imediato. - Ela não se importa nem um pouco...

- Mas ela o recebeu - atravessou Dumbledore. - Ela pode ter ficado com você rancorosamente, enfurecida, amargamente e sem vontade mas ainda assim ela o recebeu. E fazendo isso selou o encanto que eu pus sobre você. O sacrifício de sua mãe fez dos laços de sangue o mais forte escudo que eu poderia ter dado a você.

- Eu ainda não...

- Enquanto você puder chamar de lar o lugar onde mora o sangue de sua mãe lá você não poderá ser alcançado ou ferido por Voldemort. Ela derramou seu sangue mas ele vive em você e na irmã dela, sua tia. O sangue dela se tornou seu refúgio. Você precisa voltar lá apenas uma vez por ano mas enquanto você puder chamá-lo de lar, enquanto estiver lá, ele não pode ferir você. Sua tia sabe. Eu expliquei o que havia feito na carta que deixei com você na porta da casa dela. Ela sabe que recebê-lo em casa pode muito bem tê-lo mantido vivo nos últimos quinze anos.

- Espere. Espere um momento.

Ele se sentou mais ereto na cadeira, encarando Dumbledore.

- Você mandou aquele Berrador. Você disse a ela que lembrasse, era sua voz...

- Imaginei - disse Dumbledore, inclinando levemente a cabeça - que ela precisasse se recordar do pacto que tinha selado ao aceitar você. Suspeito que o ataque dos dementadores a tenham despertado para os perigos de ter você como um filho-hóspede.

- Foi, sim - disse Harry serenamente. - Bem, mais ao meu tio do que a ela. Ele queria me chutar para fora mas depois do Berrador ela... Ela disse que eu tinha que ficar.

Ele encarou o chão por um momento, depois falou:

- Mas o que isso tem a ver com... - e não conseguiu dizer o nome de Sirius.

- Cinco anos atrás, então - continuou Dumbledore, ainda que não tivesse feito pausa em sua história - você chegou a Hogwarts, não tão feliz ou bem alimentado quanto eu desejaria, talvez, mas ainda assim vivo e saudável. Você não era um principezinho mimado mas um garoto tão normal quanto eu poderia esperar sob tais circunstâncias. Até então meu plano estava funcionando bem. E então... Bem, você vai lembrar dos acontecimentos no seu primeiro ano em Hogwarts tanto quanto eu. Você triunfou de forma magnífica sobre o desafio dirigido a você e em seguida, muito mais em seguida do que eu previra, achou-se frente a frente com Voldemort. E sobreviveu novamente. Fez mais. Você retardou o retorno dele à plenitude de sua força e poderes. Você travou o combate de um homem. Eu estava... Mais orgulhoso de você do que posso dizer. Contudo, havia uma falha neste meu plano maravilhoso. Uma falha óbvia que, eu sabia, poderia arruinar tudo. No entanto, sabendo quão importante era que meu plano prosseguisse, eu disse a mim mesmo que não permitiria que esta falha arruinasse tudo. Eu sozinho pude prever isso então eu sozinho seria ser forte. E aqui estava meu primeiro teste, enquanto você estava no hospital, fraco da luta contra Voldemort.

- Não entendo o que você está falando.

- Você lembra de ter perguntado a mim, enquanto estava no hospital, por que Voldemort havia tentado matá-lo enquanto você era um bebê?

Harry fez que sim com a cabeça.

- Deveria eu ter contado, então?

Harry fitou os olhos azuis e não disse nada mas seu coração estava batendo como que aos pulos novamente.

- Você ainda não vê qual era a fraqueza no plano? Não... Talvez não. Bem, como você sabe, eu decidi não responder a você. Onze anos, eu disse a mim mesmo, muito jovem para saber. Nunca tive a intenção de contar a você quando você tinha onze anos. O conhecimento poderia ser demasiado para tão tenra idade. Eu deveria ter percebido os sinais de perigo, então. Devia ter perguntado a mim mesmo por que eu não ficara mais perturbado pelo fato de você já ter feito a pergunta para a qual, eu sabia, um dia teria que dar uma resposta terrível. Eu devia ter percebido que estava muito feliz para pensar em não fazer isso naquele dia em particular... Você era muito jovem, muito, muito jovem. E então chegamos ao seu segundo ano em Hogwarts. E mais uma vez você enfrenta desafios jamais encarados mesmo por bruxos adultos; outra vez você se supera além dos meus sonhos mais selvagens. Entretanto, você não me perguntou novamente por que Voldemort deixou a marca em você. Falamos sobre sua cicatriz, oh sim... Chegamos perto, muito perto da questão. Por que não contei tudo a você... Bem, pareceu-me que doze anos eram, afinal, pouco melhor do que onze para receber tal informação. Permiti a você deixar minha presença ensangüentado, exausto mas regozijado e se senti alguma pontada de desconforto por, quem sabe, o dever de ter contado a você foi rapidamente silenciada. Você ainda era muito jovem, como vê, e não encontrei forças em mim para arruinar aquela noite de triunfo... Você percebe, Harry? Vê agora onde está a falha em meu plano? Tenho caído na armadilha que previ, que havia prometido a mim mesmo poder evitar.

- Eu não...

- Eu me importei muito com você - disse Dumbledore com simplicidade. - Me preocupei mais com a sua felicidade do que com o seu conhecimento da verdade, mais com sua paz de espírito do que com meu plano, mais com sua vida do que com as vidas que seriam certamente perdidas se o plano falhasse. Em outras palavras, agi exatamente como Voldemort espera que nós, os tolos que amam, ajam. Isso é uma defesa? Eu desafio qualquer um que tenha observado você como eu, e eu o tenho feito mais de perto do que você possa ter imaginado, a não querer salvá-lo de mais dor além daquelas que você já sofrera. Que me importava se pessoas e criaturas sem nome e sem rosto pudessem ser massacradas em um futuro incerto, se aqui e agora você estivesse vivo e bem e feliz? Eu nunca sequer sonhei que teria alguém assim nas mãos. Chegamos ao seu terceiro ano. Acompanhei à distância enquanto você lutava para repelir os dementadores, enquanto você encontrava Sirius, aprendia quem ele era e o salvava. Deveria eu ter contado a verdade a você quando triunfantemente libertou seu padrinho das garras do Ministério? Mas aos treze anos minhas desculpas estavam terminando. Você era jovem mas já havia provado que era excepcional. Minha consciência não estava à vontade, Harry. Eu sabia que a hora chegaria em breve... Mas você saiu do labirinto no último ano tendo visto Cedrico Diggory morrer, tendo escapado da morte quase certa... E não contei a você embora eu soubesse, agora que Voldemort retornara, que deveria fazer isso logo. E agora, esta noite, eu soube que você estava há muito preparado para o conhecimento do qual o mantive longe por tanto tempo, porque você provou que eu deveria ter lhe dado esta carga antes disso. Minha única defesa é essa: tenho visto você lutando sob mais aflições do que qualquer outro estudante que já tenha passado por esta escola e não seria eu a trazer a você mais uma aflição, a maior de todas.

Harry esperou mas Dumbledore não disse palavra alguma.

- Eu ainda não entendo.

- Voldemort tentou matá-lo quando você era um bebê por causa de uma profecia feita um pouco antes de você nascer. Ele sabia que ela existia embora não a conhecesse totalmente e partiu para matar você enquanto era um bebê, acreditando que estava cumprindo os termos da profecia. Ele descobriu, a duras penas, que estava enganado, quando o feitiço dirigido a você foi devolvido. E assim, desde o retorno ao seu corpo e particularmente desde que você escapou dele de maneira extraordinária no último ano, ele tem estado determinado em escutar a profecia na sua totalidade. Ela é a arma que ele vem procurando tão assiduamente desde sua volta: o conhecimento de como destruir você.

O sol tinha nascido totalmente agora: a sala de Dumbledore estava banhada em sua luz. O estojo de vidro no qual repousava a espada de Godric Gryffindor refulgia branco e fosco, os fragmentos dos instrumentos que Harry jogara ao chão cintilavam como gotas de chuva. Atrás dele a pequena Fawkes fazia leves gorjeios em seu ninho de cinzas.

- A profecia está destruída - disse Harry sem forças. - Eu e Neville estávamos na sala... Onde estava guardada... Eu mexi... E então caiu...

- O que se quebrou foi simplesmente o registro da profecia feita pelo Departamento de Mistérios. Mas a profecia foi proferida a alguém e esta pessoa tem os meios de recuperá-la perfeitamente.

- Quem a ouviu? - perguntou Harry, embora tivesse a sensação de já saber a resposta.

- Eu. Em uma noite úmida e fria há dezesseis anos atrás, numa sala sobre o bar na estalagem Hog's Head. Eu havia ido até lá para examinar uma candidata ao posto de professor de Adivinhação, embora fosse contra minha vontade permitir a continuação da disciplina. A postulante, entretanto, era a tataraneta de um bruxo muito famoso e poderoso e considerei que seria um gesto de cortesia encontrá-la. Fiquei desapontado. Pareceu-me que ela não tinha qualquer traço do dom mágico. Disse a ela, cortesmente, eu espero, que não a considerava apta.

Dumbledore se ergueu e caminhou para trás de Harry, até o armário preto ao lado do pilar dourado de Fawkes. Abriu-o, destravou um fecho e tirou de dentro a rasa bacia de pedra com signos mágicos entalhados nas bordas, na qual Harry tinha visto seu pai atormentando Snape. Dumbledore voltou para trás da mesa, colocou a penseira sobre ela e colocou a varinha em sua própria têmpora. Dali ele retirou pensamentos em finíssimos fios prateados agarrados à varinha e os depositou na bacia. Sentou-se novamente e por um momento observou seus pensamentos girando dentro da penseira. Então, com um suspiro, ergueu sua varinha e tocou a substância prateada com a ponta.

Ergueu-se uma figura envolta em véus, os olhos enormemente aumentados atrás dos óculos, e se virou lentamente, seus pés na bacia de pedra. Mas quando Sibila Trelawney falou não foi com sua voz etérea, mística e sim naquele tom rouco e áspero que Harry já a tinha visto usar uma vez:

- Aquele com o poder de vencer o Lord Negro se aproxima... Nascido daqueles que por três vezes o desafiaram, nascido ao fim do sétimo mês... E o Lorde Negro vai marcá-lo como seu igual mas ele terá um poder desconhecido pelo Lord Negro... E um deve morrer pelas mãos do outro porquanto nenhum poderá viver enquanto o outro sobreviver... Aquele com o poder de vencer o Lord Negro se aproxima... Nascido daqueles que por três vezes o desafiaram, nascido ao fim do sétimo mês...

Girando lentamente, a professora Trelawney mergulhou de volta na massa prateada e desapareceu.

O silêncio no interior da sala era absoluto. Nem Dumbledore nem Harry e nenhum dos retratos fez qualquer manifestação. Até mesmo Fawkes se aquietou.

- Professor Dumbledore? - disse Harry suavemente pois Dumbledore, ainda olhando para a penseira, parecia completamente mergulhado em pensamentos. - Isso... Isso quer dizer... O que isso significa?

- Isto significa que a única pessoa que pode por bem vencer Lord Voldemort nasceu no final de julho, há quase dezesseis anos. Esse menino nasceria de pais que já tivessem enfrentado Voldemort três vezes.

Harry sentiu como se algum coisa estivesse se fechando sobre ele. Respirar parecia novamente muito difícil.

- Isso quer dizer... Eu?

Dumbledore o fitou por um instante através dos óculos.

- O mais estranho, Harry, é que poderia não ser você. A profecia de Sibila, na verdade, poderia ser aplicada a dois meninos bruxos, ambos nascidos no final de julho, ambos filhos de pais que eram membros da Ordem da Fênix e haviam escapado por pouco de Voldemort por três vezes. Um deles, obviamente, era você. O outro era Neville Longbottom.

- Mas então... Mas então, por que era o meu nome na profecia e não o de Neville?

- O registro oficial foi re-classificado depois que Voldemort o atacou ainda criança. Pareceu correto ao guardião do Salão da Profecia que Voldemort só poderia ter tentado matar você porque o reconheceu como aquele de quem falava a profecia de Sibila.

- Então, poderia não ser eu?

- Eu temo - disse Dumbledore lentamente, parecendo que cada palavra lhe custava um grande esforço - que não haja dúvidas. É você.

- Mas você disse... Neville também nasceu no final de julho... E seus pais...

- Você está esquecendo da próxima parte da profecia, a característica final para identificar o menino que poderia vencer Voldemort... O próprio Voldemort marcaria o menino como seu igual. E assim ele fez, Harry. Ele escolheu você, não Neville. Ele lhe deu a cicatriz que tem provado ser tanto uma benção quanto uma maldição.

- Mas ele pode ter escolhido errado! Ele pode ter marcado a pessoa errada!

- Ele escolheu o menino que parecia representar um perigo maior para ele. E perceba, Harry: ele escolheu não o sangue puro (o qual, de acordo com sua crença, é o único tipo de bruxo que deve existir), mas o sangue-ruim, como ele. Voldemort se viu em você antes mesmo de tê-lo visto e, marcando-o com essa cicatriz, ele não o matou, como pretendia, mas deu poderes a você e um futuro, o que você precisou para escapar dele não uma mas quatro vezes, algo que nem seus pais nem os pais de Neville nunca conseguiram.

- Mas então por que ele fez isso? - disse Harry, sentindo uma dormência fria. - Por que ele tentou me matar ainda bebê? Ele poderia ter esperado para ver entre eu e Neville quem pareceria mais perigoso quando fôssemos mais velhos e então tentar matar quem quer que fosse...

- Este, certamente, teria sido o caminho mais prático, exceto que a informação de Voldemort acerca da profecia estava incompleta. O Hog's Head, que Sibila preferia por ser barato, há muito atraía, deve-se dizer, uma clientela muito mais interessante que o Três Vassouras. Como você e seus amigos descobriram, para o desgosto de vocês e eu para o meu naquela noite, é um lugar onde jamais é seguro supor que você não está sendo escutado. É claro que eu nem sonhava, quando saí para encontrar Sibila Trelawney, que ouviria algo tão valioso. A minha, nossa, porção de boa sorte foi o intruso ter sido percebido logo no início da profecia e colocado para fora do lugar.

- Então ele ouviu apenas...?

- Ele escutou apenas o início, a parte anunciando o nascimento de um menino em julho de pais que haviam desafiado Voldemort por três vezes. Conseqüentemente, ele não pôde avisar ao seu mestre que atacar você seria arriscar transferir poderes para você e marcá-lo como um igual. Assim, Voldemort nunca soube que poderia haver perigo em atacar você, que seria melhor esperar, aprender mais. Ele não sabia que você poderia ter poder que o Lord Negro desconhece.

- Mas eu não tenho! - disse Harry com um fiapo de voz. - Não tenho nenhum poder que ele não tenha, não poderia lutar como ele lutou esta noite, não posso possuir pessoas ou... Matá-las...

- Há uma sala no Departamento de Mistérios - interrompeu Dumbledore -, ela é mantida constantemente trancada. Contém uma força que é a um só tempo mais maravilhosa e mais terrível do que a morte, do que a inteligência humana, do que as forças da natureza. É também, talvez, o mais misterioso dos inúmeros assuntos para estudo que vivem ali. É o poder que habita aquela sala o que você tem em tamanha quantidade e o qual Voldemort não possui em absoluto. Foi esse poder que o levou a socorrer Sirius esta noite. Este poder também salvou você de ser possuído por Voldemort, porque ele não toleraria permanecer em um corpo tão cheio da força que detesta e despreza. Afinal, não importou que você não pudesse manter sua mente fechada. Foi seu coração que o salvou.

Harry fechou os olhos. Se não tivesse ido salvar Sirius, Sirius não teria morrido... Mais para retardar o momento em que teria que pensar em Sirius novamente, Harry perguntou, sem ligar muito para a  resposta:

- O final da profecia... Era algo sobre... Nenhum poderá viver...

- ...enquanto o outro sobreviver - completou Dumbledore.

- Então - disse Harry, escolhendo as palavras no que sentia ser uma porção de desespero dentro dele -, então isso significa que... Que um de nós tem que matar o outro... No fim?

- Sim.

Por muito tempo nenhum deles falou. Em algum lugar muito além das paredes da sala Harry podia ouvir o som de vozes, estudantes descendo para o café da manhã, talvez. Parecia impossível haver pessoas no mundo que ainda desejassem comida, que rissem, que sequer tivessem conhecido Sirius Black ou soubessem que ele se fora para sempre. Sirius parecia estar já a um milhão de milhas; mesmo agora uma parte de Harry ainda acreditava que se ele apenas tivesse puxado o véu teria encontrado Sirius olhando para ele, saudando-o, talvez com sua risada semelhante a um latido...

- Sinto que lhe devo outra explicação, Harry - acrescentou Dumbledore, hesitante. - Você talvez tenha se perguntado por que nunca o escolhi como monitor? Devo confessar... Você tinha responsabilidades demais para isso.

Harry olhou para ele e viu uma lágrima caindo pelo rosto de Dumbledore, indo se perder em sua longa barba prateada.

-- CAPÍTULO 38 --
A SEGUNDA GUERRA COMEÇA


"AQUELE-QUE-NÃO-DEVE-SER-NOMEADO RETORNA

Numa breve declaração na sexta-feira à noite o Ministro da Magia, Cornélio Fudge, confirmou que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado retornou a este país e está novamente na ativa.

'É com grande pesar que eu venho confirmar que o bruxo que se autodenomina Lord... Bem, vocês sabem de quem eu estou falando... Está vivo e entre nós novamente', disse Fudge, parecendo cansado e confuso enquanto falava com os repórteres. 'É quase com o mesmo pesar que eu comunico a revolta em massa dos dementadores de Azkaban, que decidiram não mais continuar a serviço do Ministério. Nós acreditamos que os dementadores estão agora sob comando de Lord... Você-Sabe. Nós pedimos encarecidamente que toda a toda população mágica se mantenha vigilante. O Ministério está, no momento, publicando guias básicos de defesa pessoal e defesa da casa que serão entregues gratuitamente em todas as casas de bruxos durante esse mês.'

O depoimento do Ministro foi visto com medo e alarme pela comunidade mágica que recentemente - na última quarta-feira - recebeu afirmações do Ministério de que 'não são verdadeiros os rumores persistentes de que Você-Sabe-Quem está operando entre nós novamente'.

Os detalhes do evento que levaram o Ministério a mudar de opinião ainda estão confusos, embora se acredite que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado e um seleto grupo de seguidores (conhecidos como Comensais da Morte) conseguiram entrar no próprio Ministério da Magia quinta-feira à noite.

Alvo Dumbledore, recentemente renomeado diretor da Escola de Magia e Bruxaria Hogwarts, renomeado membro da Confederação Internacional de Bruxos e Bruxo Chefe Cacique Supremo da Confederação Internacional de Bruxos, esteve indisponível para comentários até o momento. Ele insistiu durante o último ano que Você-Sabe-Quem não estava morto como se acreditava mas sim recrutando seguidores novamente para mais uma tentativa de conquistar o poder. Enquanto isso, o Menino Que Sobreviveu..."

- É isso aí, Harry, eu sabia que eles iam meter você no meio disso de algum jeito - disse Hermione, olhando-o por sobre o jornal.

Estavam na ala hospitalar. Harry estava sentado na ponta da cama de Rony e estavam ouvindo Hermione ler a primeira página do Profeta Diário. Gina, cujo tornozelo tinha sido colocado numa tipóia por Madame Pomfrey, estava curvada ao pé da cama de Hermione; Neville, cujo nariz também tinha retornado ao seu tamanho e forma normais, estava numa cadeira entre as duas camas; e Luna, que tinha aparecido para uma visita, segurava a última edição do The Quibbler, estava lendo a revista de ponta-cabeça e aparentemente não ouvia uma só palavra do que Hermione dizia.

- Então agora ele voltou a ser o "Menino Que Sobreviveu", né? - disse o Rony ironicamente. - Não é mais o doido metido?

Ele encheu a mão com os sapos de chocolate que estavam numa imensa pilha em seu criado-mudo, jogou alguns para o Harry, Gina e Neville e rasgou com os dentes o pacote do seu. Ainda existiam marcas profundas em seus antebraços, onde os tentáculos dos cérebros haviam se enrolado. De acordo com Madame Pomfrey, pensamentos podiam deixar cicatrizes mais profundas do que qualquer outra coisa, mesmo que parecesse ter havido alguma melhora desde que ela havia começado a aplicar doses de Dr. Ubbly's Oblivious Unction.

- Sim, eles são muito lisonjeiros sobre você agora, Harry - disse Hermione, dando uma olhada no artigo. - "A voz solitária da verdade... Perseguido como desequilibrado mas sem nunca hesitar em sua história... Forçado a agüentar calúnias e ridicularizações..." Hmm - disse franzindo a sobrancelha. - Eu notei que eles não mencionaram o fato de que foram eles que fizeram todas essas calúnias e ridicularizações no Profeta...

Ela recuou levemente e colocou as mãos em suas costelas. O feitiço que Dolohov tinha usado nela, mesmo que menos efetivo do que se tivesse dito em voz alta, tinha causado, mesmo assim, nas palavras de Madame Pomfrey, "danos o bastante". Hermione, que tinha que tomar dez tipos diferentes de poção todo dia, estava melhorando muito e já estava entediada com a ala hospitalar.

- A Última Tentativa De Dominação Do Você-Sabe-Quem, páginas 2 a 4, O Que O Ministério Devia Ter Nos Dito, página 5, Por Que Ninguém Deu Ouvidos ao Alvo Dumbledore, páginas 6 a 8, Entrevista Exclusiva com Harry Potter, página 9... Bem - disse Hermione, dobrando o jornal e colocando-o de lado -, isso certamente deu a eles muito que escrever. E essa entrevista com Harry não é exclusiva, é a que saiu no Te Quibbler meses atrás...

- Papai vendeu a eles - disse Luna de maneira vaga, virando a página do The Quibbler. - Ele conseguiu um ótimo preço por ela, aliás... Então nós vamos embarcar numa expedição para Suécia nesse verão para tentar pegar um Crumple-Horned-Snorkack.

Hermione pareceu lutar consigo mesma por um momento, então ela disse.

- Isso parece ótimo.

Gina cruzou seu olhar com o de Harry mas desviou rapidamente, rindo.

- Então, de qualquer forma - disse Hermione, sentando-se um pouco mais ereta e recuando novamente -, o que está acontecendo na escola?

- Bom, Flitwick se livrou do pântano do Fred e do Jorge - disse Gina. - Ele limpou tudo em menos de três segundos. Mas deixou um pouco debaixo da janela, em destaque...

- Por quê? - perguntou Hermione, parecendo surpresa.

- Ah, ele só disse que foi mágica muito bem feita - disse Gina, encolhendo os ombros.

- Eu acho que ele deixou lá como um monumento ao Fred e ao Jorge - disse Rony com a boca cheia de chocolate. - Eles me mandaram todos esses, sabe? - disse a Harry, apontando para a pequena pilha de sapos ao seu lado. - Eles devem estar se dando bem com aquela loja de logros, né?

Hermione, com um tom de desaprovação, perguntou.

- Então os problemas acabaram agora que Dumbledore está de volta?

- Sim - disse Neville -, tudo está de volta ao normal.

- Eu suponho que Filch está feliz, não? - perguntou Rony, apoiando na sua jarra de água uma figurinha dos Sapos de Chocolate mostrando Dumbledore.

- De jeito nenhum - disse Gina. - Ele está muito, muito deprimido, na verdade... - diminuiu sua voz a um suspiro. - Ele fica dizendo que Umbridge foi a melhor coisa que já aconteceu para Hogwarts...

Todos olharam em volta. A professora Umbridge estava deitada numa cama do lado oposto da sala, olhando fixamente para o teto. Dumbledore foi sozinho até a Floresta para resgatá-la dos centauros; como ele tinha feito isso - como tinha saído do meio das árvores carregando a professora Umbridge sem nenhum arranhão - ninguém sabia e Umbridge certamente não diria. Desde de que voltara ao castelo ainda não tinha pronunciado uma palavra sequer, ao menos não que algum deles soubesse. Ninguém sabia, tampouco, o que estava errado com ela. Seu cabelo, de um castanho acinzentado e normalmente organizado, estava desarrumado e ainda havia pequenos ramos e folhas nele mas fora isso ela parecia estar ilesa.

- Madame Pomfrey diz que ela está apenas em choque - cochichou Hermione.

- Parece que está de mau humor, isso sim - disse Gina.

- É, ela mostra sinais de vida se você fizer isso - disse Rony, e com a língua fez um som de trote. Umbridge se levantou de repente, ereta e alarmada, olhando ao redor desordenadamente.

- Algo errado, professora? - perguntou Madame Pomfrey, colocando a cabeça para fora de seu escritório.

- Não... Não... - disse Umbridge, afundando novamente em seus travesseiros. - Não, eu devo estar sonhando...

Hermione e Gina abafaram o som de suas risadas nos lençóis.

- Falando em centauros - disse Hermione, parando de rir - quem vai ser nosso professor de Adivinhação agora? Firenze vai continuar aqui?

- Ele tem que continuar - disse Harry -, os outros centauros não vão aceitá-lo de volta.

- Parece que os dois, ele e Trelawney, vão dar aula - disse Gina.

- Aposto que o Dumbledore queria ter se livrado da Trelawney de vez - disse Rony, mastigando seu décimo quarto Sapo. - Se você quiser saber, a matéria toda é inútil pra mim, Firenze não é muito melhor...

- Como você pode dizer isso? - Hermione reclamou. - Depois que nós acabamos de descobrir que existem profecias de verdade?

O coração de Harry começou a acelerar. Ele não tinha contado nem a Rony nem a Hermione nem a qualquer outra pessoa qual era a profecia. Neville contou a todos que ela tinha se quebrado enquanto Harry o puxava pra cima na escada da Sala da Morte e Harry ainda não tinha corrigido essa impressão. Ele não estava pronto pra ver a expressão de seus amigos quando lhes contasse que ele tinha de ser ou assassino ou vítima, não havia outra maneira...

- É uma pena que quebrou - disse Hermione serenamente, balançando a cabeça.

- É, que pena - disse Rony. - Pelo menos Você-Sabe-Quem também nunca descobriu o que era, aonde você vai? - ele continuou, parecendo surpreso e desapontado ao ver Harry se levantar.

- Eh... Hagrid - disse Harry. - Você sabe, ele acabou de voltar e eu prometi que ia lá vê-lo e contar como vocês estavam.

- Ah, então tudo bem - disse Rony irritado, olhando pela janela do dormitório para um pedaço de céu azul e brilhante do lado de fora. - Queria que também pudéssemos ir.

- Diga oi pra ele por nós! - pediu Hermione enquanto Harry caminhava em direção à porta. - E pergunte a ele como está o seu... O seu amiguinho!

Harry acenou para mostrar que tinha ouvido e entendido enquanto saía da sala.

O castelo estava muito silencioso, mesmo para um domingo. Todos estavam, com certeza, do lado de fora, nos campos ensolarados, aproveitando o fim das suas provas e o fato de terem alguns últimos dias do ano letivo livre de lições de casa ou revisões. Harry andou lentamente pelo corredor deserto, observando através das janelas pelas quais passava; via pessoas voando despreocupadas pelo campo de quadribol e alguns alunos nadando no lago, acompanhados pela lula gigante.

Estava achando difícil decidir se queria ficar com as pessoas ou não; quando estava com outras pessoas queria ficar só mas quando estava sozinho queria a companhia de outras pessoas. Mas pensou em realmente ir visitar Hagrid, afinal Harry ainda não havia conversado com ele desde que tinha voltado...

Harry tinha acabado de descer o último degrau da escada de mármore em direção ao Saguão de Entrada quando Malfoy, Crabbe e Goyle saíram de uma porta à direita que Harry sabia que dava na sala comunal da Sonserina. Harry parou abruptamente; o mesmo fez Malfoy e os outros dois. Os únicos sons eram os gritos, risadas e o som de água vindos dos campos que invadiam o local pelas portas de entrada que estavam abertas.

Malfoy olhou ao redor - Harry sabia que ele estava procurando por sinais de professores - então olhou novamente para Harry e disse num tom baixo.

- Você está morto, Potter.

Harry levantou as sobrancelhas.

- Engraçado - disse ele -, você pensar que eu ia parar de andar por aí...

Malfoy parecia mais brabo do que Harry jamais o vira; sentiu uma certa satisfação ao ver sua fronte pálida e pontuda contorcida de raiva.

- Você vai pagar - disse Malfoy, num tom não muito mais alto do que um sussurro. - Eu vou fazer você pagar pelo que você fez com meu pai...

- É, agora eu estou com medo - disse Harry, de modo sarcástico. - Eu suponho que Lord Voldemort seja só um aquecimento comparado a vocês três, qual o problema? - continuou, pois Malfoy, Crabbe e Goyle pareciam chocados ao ouvirem aquele nome. - Ele é um amigo do seu pai, não é? Você não está com medo dele, está?

- Você se acha tão corajoso, Potter - disse Malfoy, começando a avançar com Crabbe e Goyle na retaguarda. - Pode esperar. Eu vou te pegar. Você não pode colocar meu pai na prisão...

- Eu achei que eu tinha acabado de fazer isso.

- Os dementadores deixaram Azkaban - disse Malfoy calmamente. - Meu pai e os outros estarão livres mais cedo do que você imagina...

- É, eu espero que sim. Pelo menos todos já sabem a escória que eles são...

A mão de Malfoy voou em direção à sua varinha mas Harry foi muito rápido para ele; tinha pegado sua varinha antes mesmo que Malfoy pudesse alcançar seus bolsos.

- Potter!

A voz soou através do Saguão de Entrada. Snape acabara de subir a escada que dava no seu escritório nas masmorras e ao vê-lo Harry sentiu uma fagulha de ódio mais forte do que qualquer coisa que sentia por Malfoy... Não importava o que Dumbledore dissesse, nunca perdoaria Snape... Nunca...

- O que você está fazendo, Potter? - perguntou Snape, frio como sempre, enquanto caminhava em direção aos quatro garotos.

- Estou tentando decidir que feitiço usar contra Malfoy, senhor - disse Harry ferozmente.

Snape o encarou.

- Guarde essa varinha agora - disse secamente. - Dez pontos para Grifi...

Snape olhou para as ampulhetas gigantes na parede e deu um sorriso desprezível.

- Bem, eu vejo que não há mais pontos para serem retirados da ampulheta da Grifinória. Nesse caso, Potter, nós simplesmente teremos que...

- Adicionar mais alguns?

Professora Minerva acabara de subir, com certa dificuldade, os degraus do castelo, carregava uma bolsa de viagem xadrez numa mão e se apoiava pesadamente numa bengala com a outra, fora isso parecia muito bem.

- Professora McGonagall! - disse Snape, indo em sua direção. - Eu vejo que saiu do St. Mungus...

- Sim, professor Snape - disse Professora a Minerva, contorcendo-se para tirar a capa de viagem. - Estou praticamente como nova. Vocês dois, Crabbe, Goyle...

Ela chamou os dois de forma imperativa e eles vieram arrastando os pés, desajeitados.

- Aqui - disse a professora, jogando sua mala de viagem no peito de Crabbe e sua capa sobre Goyle -, levem isso para meu escritório para mim.

Eles se viraram e subiram as escadas de mármore a passos pesados.

- Certo - disse a professora Minerva, olhando para as ampulhetas na parede. - Bom, eu acho que Potter e seus amigos devem receber cinqüenta pontos cada por alertarem o mundo sobre a volta de Você-Sabe-Quem! O que você acha, professor Snape?

- O quê? - disse Snape, tentando disfarçar mas Harry sabia que ele tinha ouvido perfeitamente. - Ah, bem... Eu creio...

- Então temos cinqüenta pra cada um, Potter, os dois Weasley, Longbottom e a srta. Granger - disse a professora Minerva e uma chuva de rubis caiu na metade de baixo da ampulheta da Grifinória enquanto ela falava. - Ah, e cinqüenta para a Srta. Lovegood, eu suponho - continuou e um certo número de safiras caiu na ampulheta da Corvinal. - Agora eu acho que você queria tirar dez pontos Sr. Potter, professor Snape... Então, aí está...

 Alguns rubis voltaram para a parte de cima, mantendo, mesmo assim, uma quantidade generosa na parte inferior.

- Bem, Potter, Malfoy, eu acredito que vocês deveriam estar lá fora num dia maravilhoso como esse - a professora Minerva terminou rapidamente.

Harry não precisou ouvir duas vezes; enfiou sua varinha de volta no bolso e se direcionou para a porta de entrada sem olhar pra trás.

O sol quente o atingiu como uma rajada enquanto atravessava o gramado em direção à cabina de Hagrid. Alunos deitados à sua volta, na grama, tomando sol, conversando, lendo o Profeta Diário e comendo doces, olhavam pra ele enquanto passava; alguns o chamavam ou acenavam, claramente tentando mostrar que eles, assim como o Profeta, tinham decidido que ele era um herói. Harry não disse nada a nenhum deles. Ele não fazia idéia do quanto sabiam sobre o que acontecera três dias antes mas ele, até agora, tinha tentado evitar ser questionado e continuaria a fazê-lo.

Achou que Hagrid não estava quando bateu na porta da cabana pela primeira vez mas então Canino veio correndo pela lateral e quase o derrubou, tão grande era seu entusiasmo com a chegada do garoto. Hagrid transpirava - estava pegando feijões corredores no jardim que ficava atrás de sua cabana.

- Tudo certo, Harry? - disse ele, brilhando, quando Harry se aproximou da cerca. - Entre, entre, vamos tomar um suco de ervas... Como estão as coisas? - Hagrid perguntou, enquanto sentavam à mesa de madeira, cada um com um copo de suco gelado. - Você... Hum... Está bem?

Harry sabia pelo olhar de preocupação na cara de Hagrid que não estava se referindo ao seu bem estar físico.

- Estou bem - disse Harry rapidamente, porque sabia o que passava pela cabeça de Hagrid e não ia agüentar falar sobre isso. - Então, por onde você tem andado?

- Estive me escondendo nas montanhas. Numa caverna, como Sirius fez quando ele...

Hagrid parou, limpou sua garganta de forma grosseira, olhou para Harry e tomou um longo gole de suco.

- De qualquer forma, estou de volta - disse, com a voz fraca.

- Você... Você parece melhor - disse Harry, determinado a manter a conversa longe de Sirius.

- O quê? - disse Hagrid, levantando sua mão pesada e sentindo sua face. - Ah... Ah é. Bem, Grawp está se comportando bem melhor agora, bem melhor. Na verdade ele pareceu muito feliz em me ver quando eu voltei. Ele é mesmo um bom rapaz... De fato, eu estive pensando em arrumar uma amiga pra ele...

Normalmente Harry teria tentado persuadir Hagrid a tirar essa idéia da cabeça; a idéia de um segundo gigante tendo a Floresta como residência era definitivamente alarmante mas por algum motivo Harry não conseguia encontrar a energia necessária para argumentar seu ponto de vista. Começou a desejar estar sozinho de novo e pensando em acelerar sua partida, tomou longos goles de suco, esvaziando seu copo pela metade.

- Agora todo mundo sabe que você sempre contou a verdade, Harry - disse Hagrid, baixinho e inesperadamente. Estava olhando Harry com atenção. - Deve ser bem melhor, não?

Harry encolheu os ombros.

- Olha... - Hagrid se debruçou sobre a mesa na direção de Harry. - Eu conhecia Sirius há mais tempo do que você... Ele morreu na batalha e é dessa forma que gostaria de ter ido...

- Ele nem queria ter ido! - disse Harry com raiva.

Hagrid curvou sua grande cabeça desgrenhada.

- É acho que ele não queria mesmo - disse calmamente. - Mesmo assim, Harry... Ele nunca foi do tipo que fica parado em casa deixando que outras pessoas lutem. Ele não conseguiria viver consigo mesmo se não tivesse ido ajudar...

Harry se levantou num salto.

- Eu tenho que ir visitar Rony e Hermione na ala hospitalar - disse ele de forma mecânica.

- Ah - disse Hagrid, parecendo desapontado. - Ah... Tudo bem então, Harry... Se cuida e apareça por aqui se tiver temp...

- Tá... Tá...

Harry foi até porta o mais rápido que pôde e a abriu; estava do lado de fora, sob o sol, antes mesmo que Hagrid pudesse terminar de se despedir, foi andando pelo gramado. Mais uma vez as pessoas chamavam por ele enquanto passava. Fechou os olhos por algum tempo desejando que todos sumissem, que quando abrisse os olhos estivesse sozinho no gramado...

Alguns dias antes, antes das provas finais terem acabado e antes de ter a visão que Voldemort colocou em sua mente, teria dado quase tudo para que o mundo mágico soubesse que estava dizendo a verdade, que Voldemort estava de volta e que não era nem mentiroso nem louco. Agora, no entanto...

Andou um pouco na beira do lago, sentou-se à sua margem, protegido por arbustos dos olhares das pessoas que passavam, e observou a água resplandecente, pensando...

Talvez o motivo pelo qual queria ficar sozinho era que tinha se sentido isolado de todos desde a sua conversa com Dumbledore. Uma barreira invisível o separava do resto do mundo. Ele era - sempre tinha sido - um garoto marcado. Apenas nunca tinha entendido o que isso significava...

E mesmo sentado ali, à beira do lago com o peso terrível do sofrimento tomando conta dele, com a perda de Sirius tão próxima e crua dentro de si, ele não conseguia se mostrar amedrontado. Fazia sol e os campos ao seu redor estavam cheios de pessoas felizes e mesmo se sentindo tão distante dessas pessoas quanto se pertencesse a uma outra raça, era ainda muito difícil acreditar que sua vida devesse incluir ou terminar em assassinato...

Ficou sentado lá por muito tempo, encarando a água, tentando não pensar em seu padrinho ou lembrar que fora exatamente do outro lado, na margem oposta, onde Sirius havia caído tentando se defender de cem dementadores...

O sol já tinha desaparecido quando percebeu que estava com frio. Ele se levantou e voltou ao castelo, secando sua face na manga de suas vestes.

*

Rony e Hermione, completamente curados, deixaram a ala hospitalar três dias antes do final do ano. Hermione continuava a tentar falar sobre Sirius mas toda vez que mencionava seu nome Rony fazia "shh" pra que se calasse. Harry ainda não tinha certeza se queria falar sobre seu padrinho ou não; sua vontade dependia do seu humor. Mas uma coisa sabia: por mais infeliz que estivesse agora sentiria muita falta de Hogwarts em alguns dias, quando estaria de volta à rua dos Alfeneiros, 4. Mesmo que agora entendesse exatamente por que tinha que voltar para lá todo verão, não se sentia melhor em fazê-lo. Na verdade ele nunca havia temido o retorno tanto quanto agora.

A professora Umbridge deixou Hogwarts um dia antes do fim do ano. Aparentemente saiu mancando da ala hospitalar durante o jantar, evidentemente tentando partir sem que ninguém a notasse mas para a sua infelicidade encontrou Pirraça no meio do caminho e ele reconheceu essa como sua última chance de cumprir a ordem de Fred, perseguiu-a alegremente por todo o caminho, batendo em sua cabeça ora com uma bengala ora com uma meia cheia de giz. Muitos alunos correram para o Saguão de Entrada para ver a professora fugir e os diretores das casas tentavam barrá-los sem muito esforço. De fato, a professora Minerva afundou em sua cadeira, na mesa dos professores, depois de alguns protestos desanimados e expressou claramente seu arrependimento por não conseguir correr atrás de Umbridge também, visto que Pirraça pegara sua bengala emprestada.

A última noite dos alunos na escola chegou afinal; a maioria das pessoas já tinha terminado de fazer as malas e estavam descendo para o banquete de despedida de fim de ano mas Harry ainda nem começara.

- Faça isso amanhã! - disse Rony, que estava esperando na porta do quarto. - Vamos, eu estou faminto.

- Eu não vou demorar... Olha, vai na frente...

Mas quando a porta do dormitório se fechou atrás de Rony, Harry não se esforçou para arrumar as malas mais depressa. A última coisa que queria fazer era comparecer ao Banquete de Despedida. Estava preocupado que Dumbledore fizesse alguma referência a ele no seu discurso. Com certeza mencionaria o retorno de Voldemort; afinal ele havia falado sobre isso no ano anterior...

Harry tirou algumas vestes amarrotadas do fundo da mala para colocar as que estavam passadas e dobradas quando notou um pacote mal embrulhado num canto, no fundo. Não podia imaginar o que aquilo fazia ali. Ele se inclinou, pegou o pacote, que estava debaixo do seu tênis, e o examinou.

Percebeu o que era em questão de segundos. Sirius dera aquilo pra ele na porta da frente na rua Grimmauld, número 12. "Use se você precisar de mim, tá?"

Harry afundou em sua cama e desembrulhou o pacote. De dentro caiu um pequeno espelho quadrado. Parecia velho; com certeza estava sujo. Harry o levou à altura do rosto e viu seu reflexo.

Ele virou o espelho. O verso mostrava uma mensagem rabiscada por Sirius.



"Esse é um espelho de comunicação. Eu tenho o outro do par. Se você precisar falar comigo é só dizer meu nome pra ele; você vai aparecer no meu espelho e eu poderei falar no seu. Tiago e eu costumávamos usá-los quando estávamos em detenções separadas."



O coração de Harry disparou. Lembrou de quando viu seus falecidos pais no espelho de Ojesed, quatro anos antes. Ele poderia falar com Sirius novamente, agora, ele sabia...

Olhou ao redor pra ter certeza de que não havia mais ninguém ali; o quarto esta vazio. Voltou a encarar o espelho, levou-o à altura do rosto com suas mãos trêmulas e disse, alto e claro.

- Sirius.

Seu ar embaçou a superfície do vidro. Segurou o espelho ainda mais perto, transbordando de ansiedade, mas os olhos que piscavam pra ele através da bruma eram os seus, definitivamente.

Ele limpou o espelho e disse, de tal forma que cada sílaba soasse claramente por todo o quarto:

- Sirius Black!

Nada aconteceu. O rosto frustrado olhando pra ele do espelho era, com certeza, o seu próprio...

"Sirius não tinha seu espelho com ele quando passou pela passagem em arco", disse uma voz baixa na cabeça de Harry. "É por isso que não está funcionando..."

Harry ficou calado por um tempo então atirou o espelho de volta na mala, fazendo com que se quebrasse. Estivera convencido, por todo um maravilhoso minuto, de que veria Sirius, falaria com ele novamente...

A decepção queimava em sua garganta; levantou e começou a jogar suas coisas de qualquer jeito dentro da mala, sobre o espelho quebrado...

Mas então uma idéia veio à sua cabeça... Uma idéia melhor do que um espelho... Uma idéia muito maior, muito mais importante... Como ele nunca havia pensado nisso antes... Por que ele nunca havia pedido?

Ele saiu correndo pra fora do dormitório e desceu a escada em espiral batendo nas paredes sem notar, enquanto corria; atravessou a sala comunal vazia, passou pelo buraco do retrato e seguiu pelo corredor, ignorando a mulher gorda, que gritou para ele: "O banquete já vai começar, sabia? Você vai perder!"

Mas Harry não tinha a menor intenção de ir ao banquete...

Como era possível que o lugar estava sempre cheio de fantasmas quando você nunca precisava deles mas agora...

Desceu as escadas correndo e seguiu pelo corredor sem encontrar ninguém, nem vivo, nem morto. Estavam no Salão Principal, obviamente. Do lado de fora da sala de Feitiços ele parou, ofegando e desconsolado ao pensar que teria que esperar até mais tarde, até o fim do banquete...

Mas assim que ele havia desistido, viu alguém translúcido flutuando no final do corredor.

- Hey, hey , Nick! NICK!

O fantasma tirou sua cabeça da parede, revelando o extravagante chapéu emplumado e a cabeça, balançando perigosamente, de Sir Nicholas de Mimsy-Porpington.

- Boa noite - disse ele, recuando o resto do corpo da pedra sólida e sorrindo. - Então eu não sou o único a estar atrasado? Embora - suspirou - em um sentido muito diferente, é claro...

- Nick, posso te pedir uma coisa?

Uma expressão muito peculiar tomou conta do rosto de Nick Quase Sem Cabeça enquanto colocava o dedo morto no colarinho em seu pescoço e tentava deixá-lo mais reto com um tranco, aparentemente para ter mais tempo para pensar. Ele só desistiu quando seu pescoço parcialmente partido pareceu ceder completamente.

- Ahn, agora, Harry? - perguntou Nick, parecendo embaraçado. - Você não pode esperar até depois do banquete?

- Não, Nick... Por favor. Eu preciso muito falar com você. Podemos entrar aqui?

Harry abriu a porta da classe mais próxima e Nick Quase Sem Cabeça suspirou.

- Ah, está bem - disse ele, parecendo resignado. - Eu não posso fingir que não esperava por isso.

Harry segurou a porta aberta pra ele mas em vez disso passou pela parede.

- Esperando o quê? - Harry perguntou enquanto fechava a porta.

- Que você viesse me procurar - disse Nick, que agora flutuava ao lado da janela olhando os campos escuros do lado de fora. - Isso acontece, às vezes... Quando alguém sofre uma... Perda.

- Bem - disse Harry, recusando ser ignorado. - Você estava certo, eu vim... Eu vim te procurar.

Nick não disse nada.

- É que... - disse Harry, achando isso mais esquisito do que ele havia imaginado... - É só que... Você está morto. Mas você continua aqui, certo?

Nick suspirou e continuou a encarar os campos.

- É isso, não? - Harry o encorajou. - Você morreu mas eu estou falando com você... Você pode andar por Hogwarts e tudo mais, não é?

- É - disse Nick Quase Sem Cabeça calmamente. - Eu ando e falo, sim.

- Então você voltou, não foi? - disse Harry com urgência. - As pessoas podem voltar, não é? Como fantasmas. Eles não têm que desaparecer completamente. Então? - continuou impaciente quando Nick seguiu sem dizer uma palavra.

Nick Quase Sem Cabeça hesitou e então disse.

- Nem todo mundo pode voltar como um fantasma.

- O que você quer dizer? - perguntou Harry rapidamente.

- Só... Só bruxos.

- Ah - disse Harry e quase riu, aliviado. - Bom, então tudo bem, a pessoa de quem eu estou falando é um bruxo. Então ele pode voltar, certo?

Nick se desvencilhou da janela e olhou para Harry melancolicamente.

- Ele não vai voltar.

- Quem?

- Sirius Black.

- Mas você voltou - disse Harry, com raiva. - Você voltou. Você está morto e você não desapareceu...

- Bruxos podem deixar uma cópia deles mesmos na Terra para andar de forma tênue por onde andavam quando vivos - disse Nick, parecendo miserável. - Mas poucos bruxos escolhem esse caminho.

- Por quê? - Harry perguntou. - De qualquer forma, não importa, Sirius não vai se importar se é incomum, ele vai voltar, eu sei que vai!

Harry acreditava tão piamente nisso que chegou a virar sua cabeça para olhar a porta, certo por um segundo de que veria Sirius novamente, branco como uma pérola e transparente mas luminoso, andando em sua direção.

- Ele não vai voltar - Nick repetiu. - Ele terá... Seguido em frente.

- Como assim "seguido em frente"? - perguntou Harry, falando rápido. - Seguido pra onde? Olha, de qualquer forma, o que acontece quando você morre? Pra onde você vai? Por que não é todo mundo que volta? Por que esse lugar não está cheio de fantasmas? Por que...?

- Eu não posso responder.

- Você está morto, não está? - perguntou Harry, perdendo a paciência. - Quem pode responder melhor do que você?

- Eu estava com medo da morte - disse Nick, serenamente. - Eu escolhi ficar para trás. Às vezes imagino se eu não deveria... Bem, isso é meio relativo... Na verdade eu sou meio relativo... - ele deu uma risada breve e triste. - Eu não sei nada sobre os segredos da morte, Harry, pois ao invés dela eu escolhi a minha pobre imitação. Eu acredito que bruxos instruídos estudam esse assunto no Departamento de Mistérios...

- Não fale comigo sobre aquele lugar! - disse Harry ferozmente.

- Eu sinto muito por não poder ser de mais ajuda - disse Nick gentilmente. - Bem... Bem, me dê licença... O banquete, sabe...

E ele saiu da sala deixando Harry sozinho ali, sem expressão, encarando a parede pela qual Nick desaparecera.

Quando Harry perdeu a esperança de poder ver ou falar com Sirius novamente sentiu quase como se tivesse perdido seu padrinho outra vez. Voltou, devagar e miseravelmente, pelo castelo vazio, imaginando se alguma vez ele sentiria feliz de novo.

Fez a curva em direção ao corredor da mulher gorda quando viu alguém mais à frente, fixando um recado num quadro na parede. Ao olhar novamente Harry percebeu que era Luna. Não havia um bom lugar para se esconder por ali, com certeza ela ouvira seus passos e, de qualquer forma, Harry não conseguiria reunir a energia necessária para evitar alguém naquela hora.

- Olá - disse Luna vagamente, olhando para ele ao se afastar do aviso.

- Por que você não está no jantar? - Harry perguntou.

- Bem, eu perdi a maior parte das minhas coisas - disse Luna serenamente. - As pessoas pegam e escondem, sabe. Mas como é a última noite eu realmente preciso delas de volta, então eu estou colocando cartazes.

Ela fez um gesto em direção ao quadro de recados, no qual realmente tinha colocado uma lista de todos os seus livros e roupas perdidos, com um pedido para que fossem devolvidos.

Um sentimento estranho surgiu em Harry; uma emoção bem diferente da raiva e dor que tinham preenchido seu peito desde a morte de Sirius. Isso foi pouco tempo antes de perceber que estava sentindo pena de Luna.

- Por que as pessoas escondem suas coisas? - ele perguntou, franzindo as sobrancelhas.

- Oh... Bem... - ela deu de ombros. - Eu acho que eles pensam que eu sou um pouco estranha, você sabe. Algumas pessoas me chamam de "Louca" Lovegood, na verdade.

Harry olhou para ela e o sentimento voltou mais forte e doloroso.

- Isso não é motivo para que eles peguem suas coisas - disse sem rodeios. - Você quer ajuda para encontrar tudo?

- Oh, não - disse sorrindo. - Elas acabam aparecendo, sempre voltam no final. Era só por que eu queria empacotar tudo hoje. De qualquer forma... Por que você não está no jantar?

Harry deu de ombros.

- Eu só não tive vontade.

- Não - disse Luna, observando-o com seus olhos estranhamente úmidos e protuberantes. - Eu acho que você não estaria mesmo. Aquele homem que os Comensais da Morte mataram era seu padrinho, não? Gina me contou.

Harry mostrou que sim mas percebeu que por alguma razão não se importava que Luna falasse sobre Sirius. Ele tinha acabado de lembrar que ela, também, podia ver Testrálias.

- Você... - ele começou. - Quero dizer, quem... Alguém que você conhecia morreu?

- Sim - disse Luna simplesmente -, minha mãe. Ela era uma bruxa extraordinária, sabe, mas gostava de experimentar e um dos seus feitiços deu errado um dia. Eu tinha nove anos.

- Sinto muito - Harry murmurou.

- Sim, foi bem horrível - disse Luna de maneira casual. - Eu ainda sinto muita tristeza por causa disso, às vezes. Mas eu ainda tenho o papai. E, de qualquer forma, isso não significa que eu nunca mais verei a mamãe, não é?

- Ahn... Não é? - disse Harry sem certeza.

Ela sacudiu a cabeça sem acreditar.

- Ah, vamos lá. Você os ouviu, atrás do véu, não foi?

- Você quer dizer...

- Naquela sala com a passagem em arco. Eles estavam escondidos, longe de nossas vistas, isso é tudo. Você os escutou.

Eles se entreolharam. Luna estava sorrindo levemente. Harry não sabia o que dizer ou o que pensar; Luna acreditava em tantas coisas extraordinárias... Ainda assim, tinha certeza de que tinha ouvido vozes atrás do véu também.

- Tem certeza de que não quer ajuda para encontrar suas coisas? - disse ele.

- Oh, não - disse Luna. - Não, eu acho que vou descer e comer um pouco de pudim e esperar que tudo apareça... Sempre aparece no fim das contas... Bem, tenha ótimas férias, Harry.

- Sim... Sim, você também.

Ela se afastou dele e enquanto ele a observava percebeu que o peso terrível em seu estômago parecia ter diminuído um pouco.

*

A jornada para casa no Expresso de Hogwarts no dia seguinte foi movimentada de várias maneiras. Primeiro Malfoy, Crabbe e Goyle, que esperaram a semana inteira pela oportunidade de atacar sem que houvesse professores vigiando, tentaram emboscar Harry no meio do trem quando voltava do banheiro. O ataque talvez tivesse dado certo se não fosse pelo fato de eles terem escolhido um péssimo lugar: à frente de um compartimento cheio de membros do ED, que viram o que estava acontecendo pelo vidro e correram para socorrer Harry. Na hora em que Ernie Macmillan, Anna Abbott, Susan Bones, Justino Finch-Fletchley, Anthony Goldstein e Terry Boot terminaram de usar toda a variedade de feitiços e magias que Harry tinha ensinado a eles Malfoy, Crabbe e Goyle pareciam lesmas gigantes espremidas num uniforme de Hogwarts e Harry, Ernie e Justino os enfiaram na prateleira de bagagem e saíram de lá.

- Eu tenho que dizer, mal posso esperar para ver a cara da mãe de Malfoy quando ele sair do trem - disse Ernie, satisfeito ao ver Malfoy se contorcer acima dele. Ernie não tinha realmente superado o fato de Malfoy ter roubado pontos de Lufa-lufa durante sua breve participação no Esquadrão Inquisitorial.

- A mãe de Goyle, no entanto, vai ficar feliz - disse Rony, que tinha vindo investigar a fonte de tanta comoção. - Ele está bem mais bonito agora... De qualquer forma, Harry, o carrinho de comida acabou de parar, se você quiser alguma coisa...

Harry agradeceu os outros e acompanhou Rony de volta ao compartimento, onde comprou montes de bolos de caldeirão e tortinhas de abóbora. Hermione estava lendo o Profeta Diário novamente, Gina estava fazendo um quiz no The Quibbler e Neville estava acariciando sua Mimbulus mimbletonia, que tinha crescido bastante neste ano e agora fazia barulhos estranhos quando encostavam nela.

Harry e Rony passaram a maior parte da viagem jogando xadrez bruxo enquanto Hermione lia fragmentos do Profeta. Agora estava cheio de artigos sobre como repelir dementadores, tentativas do Ministério de rastrear Comensais da Morte e cartas histéricas de uma pessoa que dizia ter visto Lord Voldemort andando perto da sua casa naquela manhã...

- Ainda não começou de verdade - suspirou Hermione, dobrando o jornal de novo. - Mas não vai demorar muito...

- Hey, Harry - disse Rony, apontando para a janela de vidro do corredor.

Harry olhou. Cho estava passando, acompanhada de Marietta Edgecombe, que estava usando uma balaclava. Os olhos dele e de Cho se cruzaram por um momento. Cho ficou vermelha e continuou andando. Harry voltou os olhos para o tabuleiro a tempo de ver que um de seus peões estava fugindo de um dos cavalos de Rony.

- O que afinal... Ahn... Está rolando entre vocês? - perguntou Rony.

- Nada - disse Harry sinceramente.

- Eu... Ahn... Ouvi falar que ela está saindo com outra pessoa agora - disse Hermione.

Harry ficou surpreso ao descobrir que essa informação não o feriu de maneira alguma. Impressionar Cho parecia coisa do passado que não tinha mais nada a ver com ele; muito do que queria antes da morte de Sirius não tinha mais sentido... A semana desde a última vez que viu Sirius pareceu durar muito, muito tempo; ela se esticou entre dois universos, um com Sirius e outro sem ele.

- Você está bem melhor assim, amigo - disse Rony com decisão. - Quero dizer, ela é bonita e tal mas você precisa de alguém um pouco mais alegre.

- Ela provavelmente pode ser alegre o suficiente para outra pessoa - disse Harry, dando de ombros.

- Com quem ela está, afinal? - Rony perguntou a Hermione mas foi Gina quem respondeu.

- Michael Corner.

- Michael... Mas... - disse Rony, virando em sua poltrona, olhando para ela. - Mas era você que estava saindo com ele!

-- Não mais - disse Gina resoluta. - Ele não gostava do fato da Grifinória ganhar da Corvinal no quadribol e ficou muito rabugento, então eu larguei dele e ele correu para os braços da Cho - ela coçou o nariz distraída com a ponta de sua pena, virou o The Quibbler de ponta cabeça e começou a marcar suas respostas. Rony parecia contente.

- Bem, eu sempre achei que ele era meio idiota - disse, movendo sua rainha em direção à torre de Harry. - Bom pra você. Só escolha alguém... Melhor... Da próxima vez.

Ele deu uma olhadela para Harry ao dizer isso.

- Bem, eu escolhi Dino Thomas, você diria que ele é melhor? - pergunto Gina vagamente.

- O QUÊ? - gritou Rony, derrubando o tabuleiro: Bichento saiu caçando as peças e Edwiges e Pichitinho gorjearam e piavam raivosamente sobre as cabeças deles.

Enquanto o trem diminuía a velocidade ao chegar em King's Cross Harry pensou que preferia nunca mais sair de lá. Até chegou a pensar rapidamente no que aconteceria se simplesmente se recusasse a sair, ficando sentado lá até o dia primeiro de setembro, quando iria de volta para Hogwarts. Quando o trem finalmente parou, no entanto, levantou a gaiola de Edwiges e se preparou para arrastar seu malão como sempre.

Quando o funcionário do trem fez um sinal para Harry, Rony e Hermione indicando que podiam atravessar com segurança a barreira entre as plataformas nove e dez, encontrou uma surpresa esperando por ele do outro lado: um grupo de pessoas o aguardava para saudá-lo.

Lá estavam Olho-Tonto, um tanto sinistro com seu chapéu-coco puxado para baixo, escondendo seu olho mágico, suas mãos nodosas seguravam um longo cajado, seu corpo enrolado em uma volumosa capa de viagem. Tonks estava parada perto dele, seu cabelo num cor-de-rosa-chiclete, brilhando na luz do sol que passava pelo sujo teto de vidro da estação, vestindo um jeans muito remendado e uma camiseta púrpura com os dizeres "As Esquisitonas". Perto de Tonks estava Lupin, rosto pálido, cabelo ficando grisalho, um casaco longo e surrado cobrindo sua blusa e calças. Na frente do grupo estavam o Sr. e a Sra. Weasley, vestidos no melhor estilo trouxa, e Fred e Jorge que estavam ambos vestindo jaquetas de um verde pavoroso, de um material escamoso, novas em folha.

- Rony, Gina! - chamou a Sra. Weasley, correndo na direção deles e abraçando seus filhos com força. - Oh, Harry, querido, como você está?

- Bem - mentiu Harry enquanto ela o puxava num abraço apertado. Sobre seu ombro ele viu Rony analisando as roupas novas dos gêmeos.

- O que é isso? - perguntou, apontando para as jaquetas.

- Pele de dragão da boa, maninho - disse Fred, dando uma puxadinha no zíper. - Os negócios estão de vento em popa e pensamos em nos darmos um presente.

- Olá Harry - disse Lupin quando a Sra. Weasley o soltou e se voltou para dizer olá para Hermione.

- Oi - disse Harry. - Eu não esperava... O que todos vocês estão fazendo aqui?

- Bem - disse Lupin com um leve sorriso -, nós pensamos em bater um papinho com seu tio e tia antes que eles o levem pra casa.

- Eu não sei se isso é uma boa idéia - disse Harry na hora.

- Oh, eu acho que é - disse Moody, que tinha chegado mais perto. - São eles ali, certo Potter?

Ele apontou com o dedão por sobre seu ombro; seu olho mágico estava evidentemente conferindo por trás de sua cabeça e chapéu. Harry espiou para ver a quem Olho-Tonto se referia e ali, com certeza, estavam os Dursley, que pareciam positivamente apavorados ao ver a comitiva de recepção de Harry.

- Ah, Harry! - disse o Sr. Weasley, dando às costas aos pais de Hermione, que tinham acabado de rever sua filha e agora a abraçavam alternadamente. - Bem... Vamos lá, então?

- Sim, eu acho que sim, Arthur - disse Moody.

Ele e o Sr. Weasley se adiantaram, cruzando a estação na direção dos Dursley, que aparentemente estavam enraizados no chão. Hermione se soltou dos braços de sua mãe e se juntou ao grupo.

- Boa tarde - disse o Sr. Weasley de maneira agradável ao parar na frente do tio Válter. - Você deve se lembrar de mim, meu nome é Arthur Weasley.

Como o Sr. Weasley tinha destruído sozinho a maior parte da sala de estar dos Dursley dois anos antes Harry ficaria surpreso se o tio Válter tivesse esquecido dele. Como previsto, tio Válter ficou levemente roxo e olhou furioso ao Sr. Weasley mas preferiu não dizer nada, talvez pelo fato de os Dursley estarem em menor número. Tia Petúnia olhou ao mesmo tempo com medo e envergonhada; ficava olhando para os lados, como que apavorada, com medo de que alguém que conhecesse a visse em tal companhia. Duda, enquanto isso, estava tentando parecer pequeno e insignificante, apesar de estar falhando redondamente.

- Nós pensamos que seria bom dar uma palavrinha com o senhor sobre Harry - disse o Sr. Weasley, ainda sorrindo.

- Sim - murmurou Moody. - Sobre o modo que ele está sendo tratado na sua casa.

O bigode do tio Válter pareceu se eriçar de indignação. Ele então se dirigiu a Moody, possivelmente porque o chapéu-coco lhe dava a impressão totalmente errada de que ele estava lidando com um igual.

- Eu não sei como é da sua conta o que acontece dentro da minha casa...

- Eu imagino que as coisas que você não sabe encheriam vários livros, Dursley - murmurou Moody.

- De qualquer forma, esse não é o ponto - interrompeu Tonks, cujo cabelo rosa parecia ofender a tia Petúnia mais do que tudo, pois ela preferiu fechar os olhos ao invés de olhá-la. - O ponto é que se nós descobrirmos que você foi horrível para Harry...

- ...E não tenha dúvidas de que nós temos como saber - acrescentou Lupin com prazer.

- Sim - disse o Sr. Weasley -, mesmo que você não deixe Harry sequer usar o felitone...

- Telefone - sussurrou Hermione.

- Isso, se nós tivermos qualquer indício de que Potter está sendo maltratado de qualquer forma você terá que responder por isso - disse Moody.

Tio Válter se inchou de forma ameaçadora. Seu senso de ultraje parecia ter ultrapassado até mesmo seu medo em relação àqueles seres bizarros.

- O senhor está me ameaçando? - disse ele tão alto que as pessoas que passavam chegaram a virar e encarar.

- Sim, eu estou - disse Olho-Tonto, que parecia sentir prazer ao ver a reação rápida do tio Válter à sua resposta.

- E eu pareço o tipo de homem que pode ser intimidado? - latiu tio Válter.

- Bem... - disse Moody, levantando seu chapéu e revelando seu sinistro olho mágico girando na órbita. Tio Válter deu um pulo para trás num gesto de horror e deu uma batida dolorida num carrinho de bagagem. - Sim, eu diria que você é, Dursley.

Ele se afastou de Válter e analisou Harry.

- Então, Potter... Dê um grito se precisar de nós. Se nós não tivermos notícias suas por três dias seguidos mandaremos alguém...

Tia Petúnia choramingou. Não podia ser mais óbvio o que ela estava pensando: o que os vizinhos pensariam se vissem algumas dessas pessoas marchando no seu jardim.

- Adeus, então, Potter - disse Moody, segurando o ombro de Harry por um momento com sua mão nodosa.

- Cuide-se Harry - disse Lupin calmamente. - Mantenha contato.

- Harry, nós vamos tirar você daqui assim que pudermos - a Sra. Weasley sussurrou, abraçando-o novamente.

- Nós nos veremos logo, amigo - disse Rony ansiosamente, chacoalhando a mão de Harry.

- Logo, logo, Harry - disse Hermione. - Nós prometemos.

Harry acenou com a cabeça. Não conseguia achar palavras para dizer a eles o que isso significava para ele, ver todos juntos ali, ao seu lado. Ao invés disso sorriu, levantou a mão num sinal de adeus, virou-se e andou em direção à saída da estação em direção à rua iluminada, com tio Válter, tia Petúnia e Duda correndo atrás dele.

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